Políticas públicas precisam atender o pequeno e o grande produtor (Getty Images/Getty Images)
Bússola
Publicado em 18 de julho de 2022 às 14h30.
Por Gustavo Foz*
Na última década, o agronegócio se tornou um sinônimo de tecnologia e modernidade. Não apenas o setor se esmera em bater recordes de safras e atingir cifras respeitáveis, a exemplo dos US$ 120 bilhões movimentados em exportações 2021, segundo o Ministério da Agricultura, como também se supera em termos de produtividade. De acordo com o relatório Produção de Alimentos no Brasil: Geografia, Cronologia e Evolução, publicado pelo Imaflora neste ano, o aumento dos resultados no campo está diretamente relacionado com o ganho de eficiência em lavouras, principalmente nas culturas de café e arroz, que diminuíram sua área de plantio e aumentaram a produção.
Nesse sentido, um dos grandes aliados para a consolidação dos resultados no campo foi a introdução de uma nova mentalidade; e digo nova, unicamente, porque desmistifica vários preconceitos que rondam a área. Conectada com as rápidas dinâmicas do mercado mundial, antenada com as novas formas de fazer negócios de maneira sustentável e, sobretudo, atenta às transformações financeiras e climáticas em seu centro regional, nos últimos anos a atividade agrícola tem surpreendido a todos porque não representa apenas o principal eixo econômico do país, mas também revelou-se um parceiro indispensável para as transformações ecológicas neste século.
É o que argumenta o estudo técnico Tecnologias Rouba-Terra, publicado pela Embrapa no ano passado, no qual pesquisadores apontam que a mudança de mentalidade no setor agrícola, sobretudo dentro das pequenas e médias propriedades, foi crucial para alavancar o uso de tecnologias para além da porteira. No entanto, pontuam os especialistas, o setor ainda vive grandes gargalos como um todo, principalmente no quesito de capacitação técnica e capacidade profissional de agricultores - os quais estão entendendo, pouco a pouco, a importância de aprofundar seus conhecimentos para acompanhar o desenvolvimento vertical do segmento.
Agricultura de precisão
O primeiro motivo para empreendedores, gestores e, sobretudo, funcionários do setor agrícola reverem a importância de novas formações no campo é o fortalecimento da indústria 4.0 dentro de propriedades rurais. Também chamada de precisão ou agronegócio de dados, a tendência representa a adoção de novas práticas de organização, irrigação e pulverização em lavouras, sem falar das inovações empresariais no setor que abarcam desde mudanças importantes para o escoamento da produção até soluções financeiras no ambiente virtual. Não à toa, segundo o estudo Profissões Emergentes na área digital, realizado pela Agência Alemã de Cooperação Digital, em parceria com o Senai, até 2023 espera-se a criação de quase 180 mil postos de trabalho em áreas relacionadas à inovação no campo.
Técnicos de agricultura digital, especialistas de agronegócio digital, cientistas de dados agrícola, operadores de drones e novas máquinas agrícolas; oportunidades não faltam para a área que espera movimentar cerca de US$ 8,5 bilhões em 2022, dos quais mais de 13% estarão concentrados em solo brasileiro, de acordo com levantamento da Market and Markets. Ademais, a capacitação não apenas tem um fundo prático, mas representa uma necessidade lógica, afinal, segundo um estudo realizado pela Universidade Federal de Santa Maria, em conjunto com a Embrapa, atualmente há um gap de mais 60% de pessoas especializadas para essas novas funções tecnológicas.
Finalmente, temos a barreira cultural e os desafios para a transição geracional na cadeia produtiva: armazéns, transportadoras, atacadistas e, sobretudo, produtores. É certo que a velocidade com que essas transformações são implementadas varia de acordo com a região, estado e município, principalmente ao gosto da gestão pública. No entanto, como pontua o artigo A Transferência da Tecnologia para o produtor rural: um caminho para sustentabilidade, escrito pelas pesquisadoras Débora Zumkeller Sabonaro e Janaína Braga do Carmo, quando essas tecnologias apresentam ganhos de produtividade real no médio e curto prazo, essas mudanças se consolidam como novas normas na vizinhança, tornando-se assim um novo paradigma a ser seguido e copiado.
Educação
Não é segredo a ninguém que a resposta mais prática para a qualificação profissional acontece via cursos, iniciativas e, sobretudo, projetos coordenados por órgãos públicos e institutos privados de renome. Felizmente, no Brasil, não faltam programas e plataformas para capacitação do produtor. Entretanto, mesmo com a chegada da internet a zonas rurais, ainda há alguns desafios para a consolidação dessas práticas: a oferta de um ensino que dialogue com a realidade agrícola e a melhora de velocidade e estabilidade nos serviços de internet.
O primeiro ponto parece se tratar, como na maioria das vezes, de um problema de investimento de ordem pública. Embora haja uma infinidade de oficinas, cursos e capacitações para informatização de empresas, poucos são aqueles pensados especificamente para a vivência no campo. Quanto ao segundo ponto, trata-se de uma velha pedra no sapato na vida do brasileiro: a baixa velocidade e alta latência da internet no país. É esperado que com a chegada do 5G a maioria desses problemas seja resolvida a médio e curto prazo, ainda que a implementação de novos equipamentos, estruturas e tecnologias ainda seja um desafio para companhias de telecomunicação.
Diante de um cenário pouco animador para a educação tecnológica e digital no campo, como devemos agir? A exemplo do que a XP e o Hospital Albert Einstein vêm realizando nos últimos anos, o Employer U ou Employer University pode ser uma boa resposta para a baixa qualificação no campo. Funcionando como uma capacitação realizada dentro do interior de empresas, o programa funciona como celeiro de talentos no qual companhias investem na educação de funcionários e gestores para ampliação de seus conhecimentos e habilitação para os novos desafios do mercado. Evidentemente, no campo, haveria de ser pensar em como buscar parceiros, adequar a rotina da fazenda aos estudos e manter os funcionários engajados na formação.
Há ainda um grande desafio para o setor como um todo, contudo. Segundo dados da 8ª Pesquisa Hábitos do Produtor Rural, da Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio (ABMRA), o smartphone pode ser uma peça-chave para essa mudança de cultura. Seja por estar em posse de quase 100% dos agricultores ouvidos, seja por fazer parte do cotidiano lúdico do funcionário após o expediente, o uso do sistema de telecomunicações móvel pode representar uma ponte entre o mundo de inovações na fazenda e a tecnologia já disponível em casa.
Em outras palavras, capacitação rápida, dinâmica e a baixo custo de produtores rurais oportuniza uma maior conexão e diálogo entre as centenas de milhares de aparelhos espalhados por todo o país. A maior questão, contudo, não diz respeito, apenas, à implementação de novas tecnologias, mas sim à aceleração de políticas públicas pautadas pelo tratamento igualitário de produtores, do menor ao maior, em prol de um crescimento ainda mais robusto de todo o agro brasileiro.
*Gustavo Foz é CEO e cofundador da Culttivo, startup que garante financiamento 100% online para produtores de café
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