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Carência da infraestrutura da região Norte é discutida em webinar da FGV EESP

Segundo participantes, finalização da BR-319, com presença do Estado de forma ostensiva, poderá aumentar a proteção da Floresta Amazônica

 (Wikimedia Commons/Creative Commons)

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Publicado em 10 de outubro de 2023 às 18h37.

A forte estiagem que atinge a região Norte do país recolocou sob os holofotes um antigo pleito das classes empresarial e política amazonense: a recuperação e finalização da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho (RO). Além de ser considerada estratégica para o desenvolvimento econômico do Norte brasileiro, a estrada é classificada como instrumento de promoção da integração nacional, uma vez que conectaria os estados do Amazonas e de Roraima a Rondônia, e, dali, ao restante do Brasil. No entanto, as últimas tentativas de retomada das obras foram interrompidas por questões ambientais.  

O governador do Amazonas, Wilson Lima, em meio à crise causada pela seca, aponta que o estado sofre abandono logístico para que o Brasil sustente a imagem de protetor da floresta, o que seria apenas um discurso pronto para estrangeiros. "O governo diz: ‘a gente não vai abrir nem viabilizar rodovias na Amazônia para evitar desmatamento'. Mas a gente não pode continuar aqui condenado ao isolamento, com a nossa população de joelhos e sofrendo muito em situações como essa.”

De acordo com o político, além do potencial para escoar a produção do estado – sede de importante polo industrial, parte da Zona Franca de Manaus (ZFM) –, a entrega de serviços essenciais para a população está prejudicada e as comunidades ribeirinhas correm risco de desabastecimento de insumos básicos, como alimentos e água potável. “Se não houver uma decisão firme do Governo Federal de entender que o Amazonas também é Brasil, a gente não vai conseguir avançar com a BR-319. Ou o presidente Lula diz que vai viabilizar a recuperação da BR-319 ou a gente vai ter que encontrar um outro caminho, vai ter que ir para a Justiça, enfim, vai encontrar outros meios e aí também é outra briga”, diz Lima.

A questão da infraestrutura na região – e no Brasil – foi tema da edição mais recente do webinar Diálogos Amazônicos, promovido pela Fundação Getúlio Vargas, através da Escola de Economia de São Paulo (FGV EESP). Durante o programa, a secretária Nacional de Transporte Rodoviário do Ministério dos Transportes, Viviane Esse, chegou a sugerir que seja lançado um edital internacional para debater a questão da BR-319, que tem impedimentos ambientais para a sua recuperação. "Precisamos refletir e estudar, pensar numa proposta, num modelo. Podemos abrir um edital internacional para ouvir especialistas. Não existe bala de prata, como dizem. Precisamos conversar a respeito." 

Ela sugere que, no caso da rodovia, talvez a presença do Estado de forma ostensiva possa ser benéfica ao meio ambiente, ajude a combater descaminhos, a exploração indevida e a degradação da floresta. "Talvez a gente possa olhar para a pavimentação da BR-319 a partir de um projeto bem construído, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente. Que a gente aumente a proteção da floresta, ouça as comunidades tradicionais, possa ter restrição de tráfego, controle de acesso, uso de scanner, monitoramento eletrônico desta via. Não estou trazendo um projeto, estou aqui fazendo um convite à reflexão", explica.

Infraestrutura na Amazônia precisa de olhar contemporâneo

Para o professor associado da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e empresário Augusto Cesar Rocha, há um entendimento da mídia e de quem não atua no setor de infraestrutura e de obras de que se destrói a floresta sem cuidar do entorno. "Eu entendo que o paradigma contemporâneo é completamente diferente do que era nos anos 70. O DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) e o Ministério dos Transportes têm essa capacidade técnica. E precisamos começar a demonstrar isso nos projetos de recuperação das rodovias da região."

Para ele, é um falso paradigma. "Precisamos trazer a discussão para o século XXI: sim ao respeito ao meio ambiente e sim à infraestrutura", elabora. Rocha cita um mapeamento inédito realizado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), apontando que há mais de três milhões de quilômetros de estradas não oficiais entrecortando a Amazônia. "Enquanto não tivermos estrutura formal, haverá a informal. A floresta vai sendo corroída, estradas vicinais, grileiros, o garimpo ilegal, o contrabando vai destruindo, quer o estado queira ou não. Eu compartilho da opinião de que, ao ter a estrada, é muito mais fácil fazer este controle", afirma.

Na opinião de Rocha, na ausência do Estado, quem quer destruir a floresta vagarosamente, está destruindo. "Precisamos ter a rodovia e enfrentar cada requisito para que ela seja sustentável em todas as suas dimensões: econômica, social e ambiental. Porque, tipicamente, olhamos a Amazônia apenas sob a ótica ambiental, desprezando a social e a econômica, como se não tivesse ninguém morando lá", diz.

O professor acrescenta a questão das hidrovias, que sofrem com a falta de balizamento, cartas náuticas, manutenção constante e navegabilidade o ano todo. "​​Vale a pena ressaltar ainda a falta de portos e retroportos, principalmente que sejam integrados de uma maneira sistêmica com as rodovias. O grande desafio é perceber a obra sob o paradigma contemporâneo, sem abrir mão do peso expressivo do modal rodoviário para o Brasil. Ou seja, a região Amazônica precisa se integrar ao Brasil."

Liderado por Márcio Holland, coordenador do Programa de Pós-graduação em Finanças da EESP/FGV, o webinar Diálogos Amazônicos discute mensalmente temas de interesse para o desenvolvimento socioeconômico sustentável da Amazônia. 

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