(shironosov/Getty Images)
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Publicado em 28 de março de 2025 às 07h00.
Por Gabriela Beltrão e Mariana Aquino, da ONG Elas no Poder*
A relação do presidente Lula com a agenda da representatividade feminina tem sido marcada por altos e baixos neste governo. Por um lado, houve avanços significativos, como a recriação do Ministério das Mulheres e a composição ministerial mais equilibrada. Por outro, o governo vem perdendo oportunidades de indicar mulheres para cargos estratégicos de confiança.
As duas vagas abertas no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) representam momentos cruciais para o governo Lula, especialmente considerando que há três mulheres altamente qualificadas apontadas nas listas tríplices para essas posições: Daniele Maranhão Costa, Marisa Ferreira dos Santos e Maria Marluce Caldas Bezerra. Além disso, as duas vagas provêm da aposentadoria das, agora, ex-ministras, Assusete Magalhães e Laurita Vaz.
Este é um ponto decisivo para o governo, que tem uma grande chance de reforçar seu compromisso com a equidade de gênero, especialmente após uma queda na avaliação positiva do governo entre as mulheres. Segundo pesquisa Datafolha divulgada recentemente, a aprovação do governo entre as mulheres caiu 14 pontos percentuais, e agora empata numericamente com a dos homens.
Na campanha das eleições de 2022, o presidente prometeu montar uma composição ministerial isonômica, com maior equilíbrio entre homens e mulheres. Quando anunciou a composição inicial da Esplanada, 11 dos 37 ministérios do governo eram liderados por mulheres. Mesmo com menos de um terço de ministras, a gestão Lula III tinha o recorde de mulheres em cargos de ministras e outras chefias na administração federal.
Porém, do início do atual governo até hoje, a presença feminina diminuiu. O primeiro ano do novo mandato foi marcado pela demissão de três mulheres do primeiro escalão do governo. Rita Serrano (Caixa Econômica Federal), Daniela Carneiro (Ministério do Turismo) e Ana Moser (Ministério do Esporte) perderam os postos de comando para homens do Centrão.
Recentemente, a Ministra da Saúde Nísia Trindade foi a primeira a cair na nova reforma ministerial.
O presidente também perdeu duas grandes oportunidades de reequilibrar a balança de gênero no topo do Judiciário. O STF, por exemplo, em 132 anos de existência, teve 170 ministros, sendo apenas três mulheres — nenhuma delas negra ou indígena. As escolhas de Lula até agora reforçaram esse padrão, com Cristiano Zanin, em 2023, e Flávio Dino, em 2024.
Indicar mulheres para as vagas abertas no STJ não seria apenas um ato simbólico, mas uma medida concreta de fortalecer a representatividade e a justiça social no país. Mulheres, especialmente as de grupos marginalizados, trazem perspectivas essenciais para a interpretação das leis, aplicação da justiça e a garantia dos direitos de todos os cidadãos. A presença de mais mulheres no STJ poderia resultar em decisões mais inclusivas e sensíveis às questões de gênero, direitos humanos e diversidade.
A nomeação de mulheres não se trata apenas de uma questão de gênero. Essas juristas são altamente preparadas para ocupar esse espaço de poder e não há qualquer razão meritória para colocá-las em desvantagem em relação aos homens. A redução do déficit de participação feminina em uma das mais altas Cortes da Justiça brasileira é imprescindível para aprimorar os resultados no Judiciário e garantir que nossa democracia seja verdadeiramente representativa.
A pressão para fazer concessões a aliados políticos tem influenciado as decisões de Lula, e quanto mais concessões são feitas, mais as minorias perdem espaço. As disputas políticas acabam priorizando o jogo de poder, ao invés da promoção de uma representatividade verdadeira. Quando as escolhas para cargos estratégicos são feitas com base em alianças políticas, e não em um compromisso com a equidade e a justiça inclusiva, as mulheres e outros grupos marginalizados são excluídos. Esses cargos acabam sendo preenchidos por figuras já inseridas no "círculo de poder", que, muitas vezes, não trazem as perspectivas diversificadas necessárias para uma governança mais plural. Esse ciclo perpetua a desigualdade e limita as chances de mulheres e outras minorias de participarem dos processos decisórios mais altos do país.
No entanto, há também pressão dentro e fora do próprio governo para que mulheres sejam nomeadas. Um ecossistema de coletivos feministas, composto por mulheres de diferentes ascendências étnicas e culturais, de variadas idades, classes sociais, credos e formações acadêmicas e profissionais, tem reiterado o apelo para que Lula nomeie duas mulheres para as vagas no STJ.
Agora é a hora de o governo dar um passo adiante. As vagas no STJ representam uma oportunidade única para mudar a história da Justiça brasileira. Lula tem nas mãos mais uma chance de romper com a exclusão histórica das mulheres nos espaços de decisão e fortalecer um Judiciário mais plural e democrático. Nomear mulheres para essas cadeiras não é apenas um gesto político, mas um compromisso real com a equidade e a justiça.
*Gabriela Beltrão é cientista política e diretora de Articulação Política da ONG Elas no Poder
*Mariana Aquino é Advogada especialista em Direito Legislativo e voluntária de Articulação Política da ONG Elas no Poder
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