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Bússola Poder: como nascem as crises

Se Lula pudesse ver os homens do Palácio do Congresso nos últimos dias, perceberia um acúmulo de ódio, indignação e revolta dirigidos ao Supremo

Congresso Nacional visto do Palácio do Planalto (Leonardo Sá/Agência Senado/Flickr)

Congresso Nacional visto do Palácio do Planalto (Leonardo Sá/Agência Senado/Flickr)

Márcio de Freitas
Márcio de Freitas

Analista Político - Colunista Bússola

Publicado em 16 de agosto de 2024 às 12h59.

O gabinete presidencial do Palácio do Planalto fica voltado para a paisagem do cerrado em direção ao nordeste de Brasília, com o horizonte surgindo depois do Lago Paranoá. Totalmente envidraçado, o local de trabalho do presidente Lula não permite vislumbrar o Congresso Nacional, apesar da pouca distância em metros que separa os prédios.

O parlamento se localiza a sudoeste da Presidência da República e forma um triângulo de edifícios dos Poderes, com o Supremo Tribunal Federal plantado do lado oposto, em frente ao Palácio do Planalto. A Praça dos Três Poderes é cenário de poucos turistas, alguns vendedores ambulantes e manifestações apenas em momentos críticos da vida nacional. O equilíbrio do país repousa na relação delicada entre os habitantes eventuais desse conjunto arquitetônico homogêneo de concreto e vidro.

O concreto é resistente e opaco. O vidro se parte facilmente e permite certa transparência para a visão de sentimentos nem sempre exibidos na política. Se Lula pudesse ver os homens do Palácio do Congresso nos últimos dias, perceberia um acúmulo de ódio, indignação e revolta dirigidos ao Supremo. Mais especificamente ao ministro Flávio Dino, que passou a dividir com o ministro Alexandre de Moraes as atenções para os assuntos mais delicados da política brasileira nos últimos dias.

Dino foi juiz, deixou a magistratura e entrou na política, onde foi deputado, governador e senador, sempre alinhado com as causas da esquerda brasileira. Foi também ministro da Justiça de Lula, que o indicou ao STF neste mandato. De boa formação, expressão tranquila e fala carregada de sotaque, Dino é inteligente, espirituoso em suas expressões. E não fugia de um bom debate quando nas lides oficiais da política.

Esse último quesito está em voga no início de sua atuação no Supremo. Dino mexeu no vespeiro da falta de transparência das emendas parlamentares. E mandou bloquear os repasses. É briga de gente grande, por bilhões. Cada deputado ou senador chega a ter por volta de R$ 50 milhões para despachar para suas bases por ano, numa conta de boteco. Como não há transparência, não se sabe ao certo quem manda o quê, nem quanto, nem para onde exatamente. O segredo recoberto de mistério é sinal de coisa feia escondida nesse enrosco.

A mexida de Dino provocou recursos judiciais da cúpula do Congresso, ameaças veladas ao governo de Lula, movimentos de retaliação ao Judiciário por via orçamentária e falas impublicáveis mesmo em tempos de redes sociais. São as primeiras reações, mas devem mover outras peças do tabuleiro. Inevitavelmente, esse tema entrará como pauta de deputados e senadores na hora de escolher o futuro representante do sindicato parlamentar da Câmara e do Senado em fevereiro de 2025, tensionando as relações politicas e partidárias. 

A cobrança por posicionamento claro em defesa das emendas e alinhamento contra o Palácio do Planalto nesse ponto será uma exigência prioritária para a conquista de votos. Ou seja, o governo Lula está afastando a maioria do Congresso de sua posição sobre as emendas, ainda mais depois do endosso de Lula a uma revisão da distribuição das emendas.

O tema das emendas fortalece também uma ala parlamentar que deseja restringir a atuação dos ministros do Supremo na política. Há óbvia aliança entre Executivo e Judiciário em muitas pautas, com o Legislativo sendo vencido pela tabelinha que permite um drible com sentenças no STF. Alguns alimentam o sonho de promover o primeiro impeachment de um ministro do Supremo, principalmente por sentimento de revanche em relação às investigações conduzidas por Alexandre de Moraes contra os bolsonaristas.

Com as revelações desta semana sobre mensagens de assessores de Moraes no âmbito das investigações entre Supremo e Tribunal Superior Eleitoral, essa tendência se sentiu fortalecida para avançar uma casa. Pode ser que sim, pode ser que não - os fatos até agora não se mostraram tão graves. O fato é que a política continua sendo como nuvens: uma hora estão de um jeito, depois de outro. Mas atenção, se Lula olhar pelos vidros do Palácio, notará que elas estão carregadas com o rancor contra Alexandre e contra Dino. E podem produzir eventos extremos na política nacional nos próximos meses, pois muitos querem fragilizar essa aliança entre o governo Lula e os magistrados.

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