Durante a COP 28, o Brasil deu mostras concretas de que pode ser um grande protagonista nesse movimento (Mailson Pignata/Getty Images)
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Publicado em 20 de junho de 2024 às 07h00.
Por Bruno Serapião*
Um evento mundial de relevo, como a COP, é sempre um acontecimento importante. Afinal, a Conferência ajuda a traçar as linhas mestras balizadoras daquilo que a sociedade deverá buscar em termos de equilíbrio socioambiental. Nesse sentido, queremos valorizar cada vez mais o protagonismo dos biocombustíveis na agenda climática e o potencial de liderança do Brasil em palcos internacionais desse porte.
O grande desafio global, que já está dado, é a necessidade de impedir que o aumento da temperatura média mundial ultrapasse, nas próximas décadas, o patamar de 1,5 grau Celsius em relação aos níveis pré-Revolução Industrial. É justamente por isso que as maiores potências e as principais empresas do mundo estão estabelecendo metas de redução nas suas emissões de carbono. O que fica cada vez mais claro é que o uso dos biocombustíveis, em larga escala, terá papel primordial na transição da matriz energética global, como forma de reduzir a dependência e a utilização dos combustíveis fósseis.
Durante a COP 28, o Brasil deu mostras concretas de que pode ser um grande protagonista nesse movimento, em função das suas inegáveis potencialidades na produção de biocombustíveis. Os representantes do poder público nacional, em diferentes oportunidades, deixaram claro que a disposição do país é pavimentar essa rota e os representantes empresariais também trataram de demonstrar a solidez dos grandes produtores brasileiros, capazes de entregar qualidade, competitividade e volume na medida de que o planeta precisa.
Há poucos países no mundo com tamanha expertise e programas tão sólidos para fomentar esse tipo de produção, que, no caso do Brasil, tem no etanol de cana-de-açúcar um de seus principais protagonistas. Ainda em 1931, o país saiu na frente ao implementar a obrigatoriedade do uso de 5% de etanol na gasolina, passando a 25% já em 1975, há quase cinquenta anos. E desde 2003 passou a adotar o conceito dos automóveis flex fuel, com utilização possível de etanol e gasolina. Foram ações como essa que ajudaram a consolidar uma estrutura de produção de biocombustíveis que é praticamente única no mundo, em qualidade e escala de fornecimento para diferentes mercados e locais do planeta, e que será uma plataforma poderosa para a revolução energética que o planeta busca.
Para se tornar uma solução efetiva, a adoção da bioenergia deve respeitar uma tríade: ser sustentável, confiável e economicamente viável. Reunir essas três qualidades não é simples, mas a boa notícia é que o Brasil já possui boa parte das soluções. A saída para a descarbonização dos transportes precisa ser sustentável do início ao fim e, nesse aspecto, o etanol se destaca.
Estudo feito pela Stellantis e divulgado em março de 2023 mostrou que automóveis movidos a etanol brasileiro são mais benéficos ao meio ambiente do que modelos elétricos, que usam fontes de energia disponíveis na Europa, quando levado em conta todo o ciclo de geração da energia, no conceito conhecido como "do poço à roda". O etanol é responsável por uma emissão de CO2 de 107,2 g/km rodado, enquanto o carro 100% elétrico europeu emite 126 gramas de CO2 a cada quilometro percorrido.
A solução brasileira também é confiável, com a adoção de programas que possibilitaram o fortalecimento da mais robusta frota de automóveis flex fuel do mundo, com utilização em escala e qualidade comprovadas, e com o etanol se apesentando como uma solução economicamente viável. Criar uma infraestrutura capaz de garantir o abastecimento de um grande contingente de carros elétricos envolveria uma aplicação gigantesca de recursos, dificilmente aplicável em países do hemisfério Sul global. Essas nações, porém, já possuem uma rede completa de postos de combustíveis, cuja adaptação para o biocombustível seria muito mais simples e economicamente factível.
Outra demanda urgente é desenhar uma proposta possível para a descarbonização dos transportes aéreos. Para tanto, a implementação do SAF (combustível de aviação sustentável) deve ser uma prioridade. A Europa impôs recentemente a exigência de que as empresas de energia e companhias aéreas atinjam metas de 6% de uso do SAF até 2030, aumentando para 70% até 2050. Ou seja, todas as soluções possíveis para essa produção devem ser incentivadas e a alternativa baseada em etanol de cana-de-açúcar, que já se mostrou uma valorosa possibilidade, deve ser acelerada, a partir de um marco regulatório nacional impulsionador.
Para garantir a tração necessária para a descarbonização dos transportes, também se faz necessária a consolidação do modelo Book & Claim, que permite que uma empresa se aproprie dos créditos de carbono gerados por outra organização que já utiliza a energia renovável, por meio de pagamento. É uma solução econômica para incentivar a descarbonização e há um grande mercado para empresas nacionais aderirem a esse formato, uma vez que a matriz energética brasileira tem posição bastante adiantada em relação ao mundo.
Nesse sentido, o Brasil também foi pioneiro com a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio). Considerada como o maior programa de descarbonização do planeta, a iniciativa já evitou a emissão de mais de 100 milhões de toneladas de CO2 equivalente na atmosfera e premia a produção eficiente de etanol com a geração de Créditos de Descarbonização, os CBios. Esses papéis são comercializados na B3 e são um passo adiante na consolidação da matriz energética sustentável brasileira. Somente para este ano, a estimativa do governo é emitir 38,78 milhões de títulos.
Ainda no aspecto da sustentabilidade, mas com foco no âmbito social, não podemos deixar de destacar a inclusão social que a cadeia da cana-de-açúcar proporciona sobretudo no interior do Brasil. Ao se estabelecer em pequenas cidades, as empresas de bioenergia geram riquezas e movimentação econômica em regiões que muitas vezes carecem de investimentos. Além de gerar emprego e renda para as comunidades do entorno, pequenos negócios e comércios se fortalecem e ajudam a girar a economia local, contribuindo para evitar a migração dessa população para grandes centros urbanos em busca de melhores condições de vida.
O protagonismo que o Brasil vem conquistando tende a se solidificar até novembro de 2025, quando está prevista a realização da COP 30, em Belém (PA), que também será a primeira capital da Amazônia a sediar essa tão relevante conferência da ONU. Será a oportunidade perfeita para que governo, sociedade civil e empresas se engajem para transformar políticas públicas em ações, demonstrando que o país tem importância central para a segurança energética global, por meio da utilização da bioenergia.
Como CEO da Atvos, uma das principais produtoras de biocombustíveis da América Latina, atuarei de forma cada vez mais presente em eventos globais para destacar a evolução da descarbonização dos transportes e a importância da matriz energética brasileira para a mitigação das mudanças climátias.
*Bruno Serapião é CEO da Atvos.
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