Reunião: há que estabelecer uma diferença entre o fraudador, e uma pessoa jurídica que deu errado (Harbucks/Getty Images)
Bússola
Publicado em 4 de setembro de 2022 às 15h43.
Última atualização em 12 de setembro de 2022 às 18h32.
Por Mary Elbe Queiroz*
Uma nova brecha jurídica para que credores consigam recuperar valores devidos por empresas extintas pode ser catastrófica para o ambiente de negócios no Brasil. Acatada por muitos tribunais, a chamada tese de “sucessão processual do sócio” permite que os sócios, em qualquer ocasião, arquem com seu capital pessoal para ressarcimento de dívidas das empresas.
Ela passa por cima da regra da autonomia da personalidade jurídica, na qual o sócio da empresa somente deve ser responsabilizado pela dívida da pessoa jurídica, única e exclusivamente, na hipótese prevista no artigo 50 do Código Civil, ou seja, em caso de abuso da personalidade jurídica, confusão patrimonial ou desvio de finalidade.
A base da criação da pessoa jurídica é exatamente a distinção entre personalidade jurídica e personalidade dos sócios da empresa. Separação que foi pensada justamente para proteger a personalidade dos sócios e seu patrimônio pessoal. Assim, ao abrirem uma empresa com capital social, este responderia pelas dívidas da pessoa jurídica e não os bens pessoais.
Contudo, por meio da tese, os sócios estão sendo chamados para responder, com seu próprio patrimônio, ao ressarcimento das dívidas com credores, o que vem gerando insegurança jurídica e causando receio naqueles que pensam em abrir uma pessoa jurídica no país.
Antes, para que os sócios fossem chamados a responder com seu capital pessoal pelas dívidas da sociedade, era preciso preencher os requisitos da chamada “desconsideração da personalidade jurídica”, nos termos do art. 50 do Código Civil, no caso de ser comprovado o abuso da personalidade jurídica.
Esta regra visa atingir pessoas que realmente não são inocentes, que abrem pessoas jurídicas e desviam o patrimônio delas para a pessoa física ou para outras empresas, exatamente objetivando não pagar os devedores.
Nesses casos, como único meio de alcançar os bens dos sócios e pagar os credores, é que costumeiramente aplicava-se a “desconsideração da personalidade jurídica”,
Agora, porém, é preciso apenas demonstrar que a empresa foi extinta e comprovar quem eram os sócios. Apropriando-se de elementos do direito de herança, que estabelece que, no caso de dívidas, os herdeiros respondam somente até o valor recebido de herança, da mesma forma, os sócios responderiam até o limite do patrimônio que retornou quando a empresa foi extinta.
Contudo, essa nova forma de proceder, no caso de dívidas das empresas extintas, extrapola, não só a proteção patrimonial, bem assim o que está demonstrado na lei sobre herança. Já que nesta, os herdeiros não podem pagar as dívidas herdadas com seu patrimônio pessoal, o que é permitido com base na tese de “sucessão processual do sócio”.
Portanto, obrigar os sócios a arcarem com dívidas da empresa extinta com patrimônio pessoal é inadmissível. Esses bens não podem ser alcançados porque seria ferir o conceito do que é a pessoa jurídica.
Há que estabelecer uma diferença entre o fraudador, aquele que age ilegalmente, e uma pessoa jurídica que deu errado, como, por exemplo, milhares de empresas que durante a pandemia não puderam quitar seus débitos, porque estavam fechadas e não tinham receita. O patrimônio pessoal não pode responder pelas dívidas das pessoas jurídicas que se enquadram nesse último caso.
A tese de “sucessão processual do sócio”, sem haver fraude, mesmo na inadimplência em casos como os da pandemia, por exemplo, foi a saída encontrada pelos credores para receberem o que lhes é devido, apesar de um contexto em que a crise econômica grassa, afetando a saúde financeira da maioria das empresas.
Contudo, isso não pode ser levado a cabo à custa do desprezo e da supressão da proteção legal existente. Existem devedores que realmente não conseguem arcar com suas dívidas, ainda mais levando em conta as correções com atualizações absurdas, e estes não podem ser prejudicados por culpa de maus pagadores.
*Mary Elbe Queiroz é professora e advogada tributarista, sócia da Queiroz Advogados Associados. Pós–Doutora em Direito Tributário – Universidade de Lisboa – Portugal; Doutora em Direito Tributário (PUC/SP) e Mestre em Direito Público (UFPE)
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