Raízen (Ricardo Teles/Divulgação)
Mariana Martucci
Publicado em 28 de dezembro de 2020 às 17h40.
Última atualização em 28 de dezembro de 2020 às 17h53.
A pandemia do coronavírus ligou o farol do mundo de negócios sobre a importância de aspectos ambientais. Nesse contexto, o biogás se apresenta como uma das opções mais promissoras para o futuro energético do país.
Já há tecnologias amplamente disponíveis no país para promover a biodigestão de resíduos de cana-de-açúcar, milho, soja e proteína animal — commodities com produção significativa aqui no Brasil e que, em uma economia circular, poderiam ter seus resíduos mais bem aproveitados para a produção de energia.
De acordo com dados da Associação Brasileira do Biogás (Abiogás), o potencial, nos próximos dez anos, é da produção de até 45 milhões de metros cúbicos/dia. Isso equivaleria a aproximadamente 70% do volume médio de gás natural consumido no país em 2019, que foi de 64,6 milhões de metros cúbicos/dia, segundo a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás).
O setor sucroenergético seguramente é o que tem maior potencial de crescimento, principalmente por já contar com uma indústria consolidada. Hoje, de acordo com dados da Associação da Indústria da Cogeração de Energia (Cogen), o país conta com 634 usinas com 18,9 GW de capacidade instalada de cogeração de biomassas — o que corresponde a mais de 10% da matriz elétrica brasileira (170,1 GW) e equivale a 1,3 usina hidrelétrica de Itaipu (14 GW). Deste total, 62% representam a cogeração a partir do bagaço da cana-de-açúcar.
Basta fazer as contas. Cada litro de etanol deixa outros 12 litros de vinhaça como resíduo após a destilação do caldo de cana-de-açúcar. Atualmente, grande parte da vinhaça é usada para fertilizar e irrigar canaviais, porém, é desejável e importante que o gás metano seja retirado da vinhaça antes do retorno às lavouras.
E esse processo pode ser por intermédio da biometanização da vinhaça. A quantidade desse resíduo tende a crescer em grande escala com o RenovaBio — programa nacional que pretende descarbonizar a economia mediante a emissão de CBios, créditos que correspondem a 1 tonelada de dióxido de carbono (CO2) a menos na atmosfera e que já são negociados na B3, a bolsa brasileira, desde o início de 2020.
Estima-se que a adoção do RenovaBio venha incrementar a produção de etanol do patamar de 30 bilhões de litros/ano atuais para 50 bilhões em 2030. Serão 240 bilhões de litros adicionais de vinhaça. É um potencial que não pode ser desperdiçado.
Um bom exemplo é a Raízen, um dos principais players do setor. A companhia investiu em uma unidade produtora de biogás em Guariba, no interior paulista, e, em agosto, foi autorizada a efetuar a comercialização de energia elétrica. A planta da empresa tem capacidade para produzir 138.000 MWh por ano, a partir da conversão de dois subprodutos da cana-de-açúcar: torta de filtro e vinhaça. Tal capacidade de produção de energia é suficiente para abastecer o município onde está localizada a unidade, além dos municípios nos arredores.
A indústria sucroalcooleira está atenta a essa iniciativa. Afinal, se todos os resíduos fossem aproveitados nas usinas do estado de São Paulo, o potencial de geração de eletricidade com biogás atingiria quase 32.000 GWh/ano, o que corresponde a cerca de 80% do consumo de energia no setor residencial de São Paulo. A fonte é o Research Centre for Gas Innovation, centro de estudos avançados baseado na Universidade de São Paulo (USP).
É provável que, com a viabilidade econômica do empreendimento da Raízen, logo apareçam novos projetos, até mesmo porque o biogás poderá ser monetizado de outras formas.
Uma delas é como combustível para veículos agrícolas (caminhões, plantadeiras e colheitadeiras, que hoje consomem diesel na proporção de aproximadamente 4 litros por tonelada de cana). Já existem tecnologias no mercado aptas à operação com o biometano.
O gás também pode ser injetado nas redes de gás canalizado. Segundo a GasBrasiliano, concessionária no Noroeste paulista, existem de 55 a 60 usinas de grande capacidade que poderiam ser conectadas rapidamente à rede da distribuidora e usufruir dessa estrutura para injetar o excedente de biometano. No Paraná e no Rio Grande do Sul, as distribuidoras locais estão atentas — a Sulgás é uma que lançou recentemente uma chamada pública para aquisição do biometano proveniente da agroindústria e resíduos sólidos urbanos.
De uma forma ou de outra, o certo é que o Brasil precisa aproveitar esse imenso potencial. E o melhor modo de fazer isso é de uma forma estruturada.
Nós, na Cogen, entendemos que o melhor para o Brasil seria a adoção de um planejamento decenal (PDE) não meramente indicativo. Seria desejável um PDE mais determinístico, priorizando projetos que valorizem os atributos de cada fonte e o fator locacional nos leilões de energia.
Projetos de investimento em energia demandam longo tempo de maturação. Uma definição do futuro, agora, é fundamental para assegurar um nível maior de previsibilidade aos agentes.
*Newton Duarte é presidente executivo da Associação da Indústria da Cogeração de Energia (Cogen)
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