O novo “arcabouço” informa que, quanto mais o governo arrecadar, mais poderá gastar. (Ricardo Stuckert/PR/Flickr)
Plataforma de conteúdo
Publicado em 4 de abril de 2023 às 07h46.
Última atualização em 4 de abril de 2023 às 07h47.
Toda política econômica é um exercício de economia política. Todo governo olha, antes de tudo, para a manutenção e ampliação do próprio poder. Assim, quando governos movimentam as peças econômicas, a bússola aponta para um norte político. É assim que a prudência orienta a análise e a leitura do cenário.
Feita a introdução, deve-se recordar que o PT é contra a existência de um teto de gastos públicos e na campanha presidencial prometeu acabar com ele. E não precisou assumir qualquer compromisso em contrário para atrair os votos do antibolsonarismo liberal em assuntos de política econômica.
Um mistério ronda a Esplanada: por que o governo petista, dispondo de uma margem de 200 bi acima do limite para gastar este ano, não deixou o agonizante teto terminar de passar desta para a melhor. Pois está evidente desde 2020 que qualquer governo dotado de base parlamentar pode simplesmente ignorar o teto.
A hipótese benigna, para o mercado, é que o PT e Luiz Inácio Lula da Silva mudaram de ideia. Não seria a primeira vez. Mas, como dito na abertura deste texto, é sempre mais esperto olhar para a política.
Está explícito que, com a apresentação do novo teto de gastos (agora chamado de “arcabouço fiscal”, um rótulo que, convenientemente, pode ao mesmo tempo significar tudo e nada), o governo opera para pressionar o Banco Central a reduzir o juro básico. Mas talvez esse não seja o objetivo principal.
A administração petista precisa, sim, forçar o BC autônomo a afrouxar a política monetária, que mantida nos níveis atuais vai produzir desemprego. E Lula, ao contrário do primeiro mandato, não parece ter muita gordura política para queimar. As pesquisas mostram. Então é necessário desenhar alguma disciplina fiscal.
“Corte de gastos” é uma expressão totalmente ausente do discurso do novo poder, então só resta aumentar a arrecadação. Para tanto, é preciso acumular força política, reunir exércitos, pois o adversário, o contribuinte, também tem seus trunfos. Afinal é ele quem comparece à urna de dois em dois anos (no DF é de quatro em quatro).
O teto de gastos vigente, ao desvincular despesa possível e receita, eliminou qualquer motivação do mundo político para aumentar impostos. Pois, mesmo se a arrecadação explodisse, o limite do gasto seria o anterior mais a inflação. O novo “arcabouço” informa que, quanto mais o governo arrecadar, mais poderá gastar.
Se o Planalto operar bem a articulação com deputados, senadores, governadores e prefeitos, e se todos puderem em alguma medida participar da engorda dos cofres, tem boa chance de montar uma grande coalizão para arrecadar, essencial para alcançar, sem cortar gastos, algum resultado fiscal digerível pelo mercado.
A peça apresentada esta semana promete isso, e mais.
Lula terá algum recurso para turbinar o investimento público. O mercado e o BC receberão o presente de um renovado limite de gastos, pois haverá um teto e um piso de crescimento da despesa. E o governo, especialmente sua articulação política, não precisará todo final de ano pedir autorização para contornar a lei.
Claro que tudo isso ainda precisa ser posto em prática. Há dúvidas sobre algumas contas e sobre a viabilidade de aumentar os impostos, formal ou informalmente. Mas o caminhão pegou a estrada, e as melancias na carroceria costumam acomodar-se conforme sobrevêm os solavancos produzidos pelas lombadas e pela buraqueira.
Ainda resta uma incógnita. A função operada pelo governo informa que aumentar o investimento público, casado com um amolecimento do coração do BC, inverterá a tendência de desaceleração econômica. Outra hipótese é que o aumento da carga tributária (ou a ameaça de) simplesmente apertará o freio na atividade, pois os empresários entrarão em modo defensivo.
Façam suas apostas.
*Alon Feuerwerker é Analista Político da FSB Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.