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Alexandre Duarte: Liderando na ambiguidade, equilibrando paradoxos

Em um mundo cada vez mais digital e complexo, decisões das lideranças, envolvem desde o pensamento estratégico até uma execução cuidadosa

Aprendizados do passado não bastam para avançar para o futuro (foto/Thinkstock)

Aprendizados do passado não bastam para avançar para o futuro (foto/Thinkstock)

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Publicado em 21 de novembro de 2022 às 19h45.

O mercado chegou a um novo ponto de inflexão no qual aprendizados do passado já não são o bastante para avançar rumo ao futuro. Tom Peters, escritor e economista norte-americano já dizia nos anos 90, que o mais difícil não é aprender o novo, mas sim esquecer o passado. Líderes de todo mundo estão preocupados em buscar formas de navegar pelas incertezas e ambiguidades das próximas décadas.

Em tempos líquidos e de extrema fragilidade, gestores começam a perceber que velocidade sem direção não garante eficácia e que as principais habilidades para assumir o leme da embarcação rumo ao sucesso envolve compreender e aceitar os principais paradoxos da nova era.

Sob estas condições complexas, tensões têm se mostrado nas mais diferentes facetas da vida organizacional. No trabalho em equipe, colaboração versus competição; na estrutura, centralizar ou descentralizar; no propósito, com a balança entre vida pessoal e profissional; e principalmente na liderança, com a decisão entre controle e empoderamento. São essas demandas conflitantes que têm se tornado os grandes paradoxos para as lideranças.

Acostumados a definir estratégias pautadas pela lógica “ou/ou” (esse ou aquele caminho, sem possibilidade de intersecção), esses líderes precisam mudar sua mentalidade para a cultura do “ambos/e”, compreendendo que as tensões são interdependentes e necessitam exercícios contínuos que permitam atuar simultaneamente em duas opções distintas, aproveitando o melhor de cada uma.

Compreendendo os paradoxos

Segundo o dicionário, a palavra paradoxo pode ter distintas definições, sendo aplicada da linguística à matemática, da física à filosofia, e em questões éticas do dia a dia. No caso do ambiente corporativo, é capaz de descrever com precisão as tensões e conflitos que os líderes vêm encontrando na construção de uma mentalidade ágil e de uma cultura sólida, inclusiva, transparente e colaborativa.

Mas engana-se quem pensa que os paradoxos organizacionais são uma novidade recente. Já em 1975, Barry Johnson, autor do livro Polarity Management: Identifying and Managing Unsolvable Problems, apresentava sua teoria de que o gerenciamento de polaridade era um meio importante para explorar tensões, reforçar ciclos e alavancar paradoxos, equilibrando as polaridades ao invés de tentar encontrar uma solução entre elas.

Para compreender melhor a ideia dos paradoxos, basta pensar na milenar filosofia oriental do equilíbrio ying-yang. Embora quase todo mundo já tenha se deparado com o seu símbolo, poucos percebem que em cada um dos lados é possível encontrar uma parte do outro. A premissa básica é que todas as coisas existentes no mundo são compostas por dois elementos opostos, parcialmente conflitantes e parcialmente complementares. Isso significa que um coopera com o outro, traduzindo o que conhecemos como tensão saudável, pois é necessário haver um mínimo de tensão para que exista diversidade e, consequentemente, harmonia.

Essa ideia de equilíbrio entre os paradoxos também foi descrita em artigo de 2016 da Harvard Business Review. Nele, os autores reforçam a necessidade de uma resposta rápida das organizações - e principalmente dos líderes - para lidar com as polaridades. Para os especialistas, os paradoxos envolvem alternativas interdependentes e contraditórias, sendo impulsionadores para o conflito interno e para o avanço sustentável das companhias. Não à toa, saber administrá-los se torna um importante divisor de águas para qualquer liderança.

Mentalidade paradoxal

O tema, que já estava no radar dos líderes mais atentos e disruptivos, ganhou um novo fôlego para a era pós-pandemia. À medida em que o mundo se torna cada vez mais digital e complexo, amplia-se a gama de decisões das lideranças, envolvendo desde o pensamento estratégico a uma execução cuidadosa, que passa pela adoção de novas tecnologias, pelo foco em questões sustentáveis e sociais (ESG), e culmina no envolvimento e engajamento dos colaboradores, equilibrando suas vidas pessoais e profissionais com maestria.

Com tantos pratos para girar ao mesmo tempo, não há escolha a não ser avançar na proficiência para além dos pontos fortes de qualquer gestão. Os líderes do agora se preparam para o amanhã com uma mentalidade paradoxal, que permite enxergar diferentes perspectivas, possibilitando uma análise de consequências positivas e negativas de cada caminho que se apresenta. Essa liderança ressignificada começa com um reexame de algumas suposições legadas e com a quebra de paradigmas que permitem criar novos valores, além de desenvolver novas capacidades, habilidades e formas de interagir socialmente.

De acordo com o Fórum Econômico Mundial, o principal paradoxo da liderança hoje está em manter o foco no presente, ao mesmo tempo em que se visualiza o futuro e criam-se estratégias inteligentes e eficazes para alcançá-lo. Nessa jornada, os líderes precisam aprender a trabalhar em conjunto, enfatizando a colaboração, além de impulsionar a experimentação e a inovação buscando a melhoria contínua, capaz de atender às necessidades dinâmicas do mercado, por meio de uma cultura de experimentos, tolerância a falhas e aprendizado.

Conscientes de que sua visão da realidade será sempre parcial e imperfeita, esses gestores unem capacidades e sensibilidades que parecem conflitantes, mas que, na verdade, são perfeitamente complementares.

Liderança renovada

Em seu livro Ten Years to Midnight, Blair Sheppard, líder global de estratégia e liderança da PwC, elencou os seis principais paradoxos da liderança na atualidade: ser estrategista e executor; dominar a tecnologia ao mesmo tempo em que se é profundamente humano; buscar formar coalizões e fazer concessões sem corromper sua integridade; ter humildade para compreender e reconhecer suas limitações; ter foco na inovação; e possuir uma mentalidade global, mantendo-se profundamente conectado com suas comunidades locais.

Uma pesquisa recente da própria PwC buscou avaliar a relevância de cada uma dessas características para as organizações e o nível de proficiência que os líderes atingiam nessas habilidades. Para a maioria dos entrevistados, o paradoxo de maior importância é o executor estratégico (96%), seguido do humanista experiente em tecnologia (90%) e do diplomático com alta integridade (84%). Na visão dos respondentes, essas também eram as características dominantes dos líderes de sucesso de suas companhias.

O levantamento mostra que os líderes que desejam ter sucesso no ambiente de negócios complexo, acelerado e ambíguo precisam ser tecnologicamente sofisticados, mas profundamente conscientes das relações humanas e dos  aspectos emocionais, comportamentais e cognitivos do indivíduo. Devem ser altamente corajosos, mas humildes para saber ouvir e reconhecer a mudança de rumo quando necessária.

Todas essas características se conectam diretamente com os pilares do open source. O modelo de software de código aberto que rompeu barreiras também trouxe consigo uma mudança de mentalidade que ultrapassou os limites da TI. Balancear coragem, comprometimento, responsabilidade e liberdade sempre foi o caminho proposto para a construção de uma cultura aberta, inclusiva e colaborativa, pautada na troca livre de ideias e na meritocracia.

Tomando para si o desafio da transformação - digital e cultural - das organizações, os líderes garantem uma jornada muito mais coordenada e engajada para a geração de valor em um menor tempo possível. Pesquisa da Harvard Business Review patrocinada pela Red Hat, líder mundial no fornecimento de soluções open source empresariais, aponta que, à medida que as organizações repensam seus modelos de negócios, estratégias e processos, elas estão definindo novas metas e discutindo como alcançá-las.

Até o fim de 2022, o foco das organizações envolve aumentar a satisfação do cliente (34%), analisar melhor os dados para novos insights (33%) e aumentar a produtividade/eficiência (33%).

Dentro desse contexto, o líder que domina os paradoxos se torna também um catalisador: possibilita um preparo melhor de todo time para lidar com as crises e ameaças pelo caminho, para inovar e criar valor a todo o ecossistema.

Capazes de traduzir as estratégias e de se envolver para executá-las, preparados para tomar decisões operacionais rápidas e ousadas em tempos de incerteza, ases no conhecimento das tecnologias e vorazes para adquirir novos aprendizados, os líderes paradoxais envolvem com empatia e autenticidade, abraçando as mudanças, criando conexões de confiança e tornando-se co-criadores da transformação. Com humildade, coragem e compromisso para se reinventar a todo momento, se tornam mais humanos e grandes marinheiros prontos para assumir o leme e navegar na era digital.

*Alexandre Duarte é VP de Customer Success da Red Hat para a América Latina

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