Orlando Cintra e Juarez Zortea (krugli/Getty Images)
Bússola
Publicado em 29 de novembro de 2022 às 15h00.
Última atualização em 29 de novembro de 2022 às 19h18.
Desde que o termo fintech desembarcou no Brasil na década passada, as empresas que vêm promovendo grandes disrupções tecnológicas no mercado financeiro se tornaram as protagonistas nos rankings de investimento em startups no país, atraindo os grandes investidores e os maiores cheques. Segundo o Fintech Report 2022, do Distrito, já são pelo menos 1.289 fintechs brasileiras. Com um oceano tão repleto de novas empresas, a pergunta inevitável é: ainda há lugar ao sol para novas startups no setor financeiro?
Dos US$ 376,4 milhões levantados pelas startups brasileiras em outubro, as fintechs ficaram com US$ 250 milhões. Outubro foi um mês de recuperação dos investimentos em startups. Foram 54 rodadas, 18 delas para fintechs.
De acordo com a plataforma de inovação, o destaque do mês ficou com a Cerc, primeira registradora de recebíveis autorizada a operar pelo Banco Central, que captou US$ 100 milhões em uma série C liderada pelo Mubadala, fundo soberano de Abu Dhabi, e que contou ainda com recursos do Valor Capital.
As startups do setor financeiro normalmente abocanham os aportes mais gordos dos fundos de VC e estão entre os maiores casos de sucesso do ecossistema brasileiro e mundial de empreendedorismo de base digital. O símbolo máximo do sucesso brasileiro é o Nubank, que, em pouco mais de nove anos de operação, abriu capital em Nova York e já ultrapassou o Santander em número de clientes no Brasil, se consolidando na quinta posição.
Mas ele está longe de ser o único caso de sucesso entre as fintechs que começaram com apenas um serviço específico e se tornaram novos bancos digitais. Levantamento do UBS mostra que os cinco maiores bancos digitais já têm juntos 193 milhões de clientes, contra 480 milhões das cinco principais instituições financeiras tradicionais. A lista dos novatos, claro, é liderada pelo Nubank (64,8 milhões de clientes), seguido por Original (42,2 milhões), Mercado Pago (39,4 milhões), PagBank (25,9 milhões) e C6 (21,3 milhões).
O termo fintech descreve uma empresa que busca operar e aperfeiçoar serviços financeiros através de soluções tecnológicas. No Brasil, começaram a operar no início da década passada, oferecendo serviços de cartões pré-pagos e maquininhas de pagamento.
Em 2013, a Lei 12.865 firmou a base do regime jurídico das instituições de pagamento (artigo 6º), oficialmente o primeiro tipo de fintech no Brasil. A regulamentação das instituições de pagamento pelo Banco Central foi aprofundada com a resolução nº 4.282 e, depois, a Circular 3.680, que permitiram às fintechs começarem a oferecer diversos serviços financeiros a custos bem mais baixos que os dos bancos e beneficiando-se do alcance da internet.
Na área de crédito, a resolução nº 4.656, do Banco Central, determinou que essas instituições poderiam se registrar como dois tipos de empresas financeiras: Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP) ou Sociedade de Crédito Direto (SCD).
A primeira modalidade é conhecida como peer-to-peer lending (P2P). Ou seja, as empresas que atuam como ponte entre quem precisa de crédito e quem quer emprestar dinheiro em troca de retorno financeiro. Já as fintechs que emprestam recursos próprios e atuam com seguros e análise de crédito devem se cadastrar como SCD. Em ambos os casos, as operações têm de ser realizadas por meio de plataformas eletrônicas.
As fintechs simplificaram processos, aumentaram a competitividade, a personalização de serviços e aumentaram a inclusão, dando acesso a pessoas e a pequenas empresas que eram mal atendidas pelos bancos. Inovações como o uso de inteligência artificial e algoritmos para combater fraudes avaliando dados de pessoas com base no uso de celular ajudam na redução de custos e competitividade dessas empresas.
Ou seja, com tecnologias de ponta, elas elevaram a eficiência e conseguiram entregar resultados altamente satisfatórios, atraindo milhões de clientes insatisfeitos com os bancos ou quem nem mesmo tinha acesso às instituições financeiras. Estas, por sua vez, melhoraram os serviços investindo em tecnologia e aceleraram seus programas de corporate venture para adquirir fintechs.
A maioria dos bancos tradicionais busca as fintechs para comprar soluções digitais finalizadas, enquanto 35% dos bancos latino-americanos revelam fazer parcerias com fintechs para criar soluções digitais específicas do zero, segundo dados da pesquisa da fintech Pollinate realizada com mais de 100 executivos C-Level de bancos tradicionais da América Latina, incluindo Brasil.
Essa disposição dos bancos tradicionais em investir nessas empresas reforça a tese de que, mesmo com tantas empresas no setor, ainda há muito espaço para criação e crescimento de novas fintechs. A demanda por serviços financeiros inovadores e digitais está longe de se esgotar em um mercado ainda carente e mal atendido, a despeito da melhoria promovida pelas fintechs já estabelecidas e pela digitalização dos bancões.
Ainda há muitas oportunidades de parcerias com empresas de setores fora do mercado financeiro, como educação ou agronegócio, por exemplo. As startups que resolvem problemas específicos desses nichos, como inadimplência ou crédito, têm muitas oportunidades pela frente.
É óbvio que o cenário econômico global gerou mais restrições à captação de recursos para novas empresas, mas a baixa necessidade de capital também pode ser aproveitada como um diferencial de novas fintechs. Hoje, não basta ter uma ideia inovadora para atrair investidores. É preciso, além de provar que o negócio terá escalabilidade, mostrar um CAC (Custo de Aquisição de Cliente) baixo também.
O próprio acesso a funding também é um diferencial importante. Outros aspectos decisivos para quem está iniciando um projeto são parcerias relevantes e um serviço diferenciado, que não possa ser atropelado por alguma nova tecnologia.
Tudo isso será determinante para o sucesso de fintechs que ainda querem buscar seu lugar ao sol. A praia está cheia, mas tem muito lugar para ser ocupado, muitas dores para serem curadas. O que ficou mais difícil foi a vida dos investidores para separarem as boas ideias que darão certo das que morreram antes de chegar na areia. Aos empreendedores, o recado é um só: continue remando forte.
*Orlando Cintra é fundador e CEO do BR Angels, e Juarez Zortea é presidente da TransUnion Brazil e membro do BR Angels
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