(evgenyatamanenko/Getty Images)
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Publicado em 11 de setembro de 2024 às 10h00.
Última atualização em 11 de setembro de 2024 às 13h54.
Por Suely Menezes*
O Brasil vive um momento decisivo no desenvolvimento do seu sistema educacional com o surgimento de diversos projetos de Parcerias Público-Privadas (PPPs) no setor. Essas iniciativas, que visam à melhoria da infraestrutura e da gestão escolar, podem ser instrumentos poderosos para a modernização e expansão das redes de ensino. No entanto, existe um componente fundamental que não pode ser negligenciado: a inclusão do desenvolvimento socioemocional no escopo desses contratos.
As habilidades socioemocionais, que abrangem aspectos cognitivos, sociais, emocionais e éticos, têm se mostrado cada vez mais essenciais na formação de alunos e, consequentemente, futuros profissionais preparados para os desafios do século XXI. Pesquisas realizadas por instituições como a Universidade de Yale, Northumbria, além do próprio Instituto Ayrton Senna aqui no Brasil, evidenciam que alunos que desenvolvem essas competências têm maior sucesso acadêmico e profissional. Não se trata apenas de melhorar as notas, mas de preparar os jovens para lidar com a complexidade da vida, desenvolver resiliência, trabalhar em equipe, liderar e inovar. O impacto desse desenvolvimento transcende a sala de aula, alcançando toda a sociedade.
A educação pública brasileira, em todas as esferas, investe na implantação de escolas em tempo integral, na perspectiva da educação integral, a partir de amplas parcerias. É preciso que se desenvolva projetos e políticas consistentes, que não tratem apenas de manter os alunos por mais tempo na escola. A proposta pedagógica de educação integral exige currículo diferenciado, que promova o desenvolvimento global do estudante, em todas as dimensões, investindo muito além da área cognitiva, mas também na vertente socioemocional, que humaniza e prepara o aluno, para os desafios do mundo contemporâneo. No contexto atual da educação, é muito importante se considerar os estudantes como focos centrais do processo, a partir da construção do projeto de vida, visando desenvolver as habilidades necessárias para que possam realizar e viver esse projeto, de forma íntegra e madura.
As pesquisas realizadas por James Heckman, professor emérito de economia da Universidade de Chicago e especialista em economia do desenvolvimento humano, mostram que a primeira infância (dos 0 aos 6 anos de idade) apresenta um grande potencial para o início do desenvolvimento de habilidades como a atenção, motivação, autocontrole e sociabilidade. Nosso futuro econômico está atrelado ao fornecimento de ferramentas para a ascensão social e para o desenvolvimento de uma força de trabalho altamente instruída e qualificada. A educação na primeira infância é a forma mais eficiente de se atingir esses objetivos: a análise do programa Perry Preschool feita pelo professor Heckman mostra um retorno sobre o investimento de 7 a 10% ao ano, com base no aumento da escolaridade e do desempenho profissional, além da redução dos custos com reforço escolar, saúde e gastos do sistema de justiça penal.
Os projetos de Parcerias Público-Privadas na educação já contemplam diversos serviços importantes, como infraestrutura escolar, gestão predial e serviços de apoio, o que livra o corpo docente de uma série de atividades operacionais e que não são pedagógicas. Porém, o Brasil está diante de uma oportunidade única de dar um passo além: incluir o desenvolvimento socioemocional no escopo dessas parcerias, o que não implica em uma revolução curricular, mas em um complemento essencial que forma educadores e gestores a adotarem práticas que promovem essas habilidades, garantindo que os alunos estejam preparados para os desafios futuros.
A proposta de integrar as competências socioemocionais aos contratos de PPPs é, antes de tudo, uma estratégia de valorização do capital humano. Além dos resultados em termos de bem-estar e saúde mental, não apenas dos alunos mas também dos professores, a inclusão de componentes que visam ao desenvolvimento dessas habilidades impacta diretamente no desempenho acadêmico. Estudos comprovam que, ao desenvolver habilidades como autocontrole, empatia e pensamento crítico, comportamento ético, entre outras, os professores se tornam mais motivados com o ensino e os alunos mais engajados com o aprendizado, reduzindo a evasão escolar e melhorando os indicadores educacionais.
Rodrigo Fernandez - professor do Programa de Pós-Graduação em Organizações e Mercados (PPGOM) da Universidade Federal de Pelotas - junto com colaboradores, traz uma análise dos resultados obtidos pelos contratos pioneiros de PPP no setor educacional da cidade de Belo Horizonte. Como resultado desta parceria, os diretores possuem um tempo maior de dedicação às atividades pedagógicas e há melhorias de atendimento no sistema de manutenção do espaço e da disponibilidade dos materiais de higiene, limpeza, rouparia e lavanderia. No entanto, até o momento, não existe mensuração dos impactos da parceria de infraestrutura sobre a qualidade educacional dos estudantes.
A inserção do desenvolvimento socioemocional no escopo desses contratos é efetiva e premente para contribuir com a obtenção e mensuração de resultados positivos, principalmente no que tange à melhoria nos índices de aprendizagem e do clima escolar.
As experiências anteriores comprovaram que o contato com metodologias voltadas ao desenvolvimento socioemocional promove saltos de aprendizagem já no curto prazo de 3 meses, conforme resultado de estudo do Inade, realizado em 2011:
Sob a perspectiva de valores financeiros, a inclusão dessas habilidades no escopo das PPPs não deve ser vista como um custo adicional significativo. Pelo contrário, os investimentos necessários para formar professores e implementar as ferramentas de apoio, tanto físicas (por exemplo, jogos de raciocínio, brinquedos, etc.) quanto digitais, são mínimos em comparação aos benefícios que podem ser gerados. Também é importante dizer que o desenvolvimento socioemocional não interfere no currículo pedagógico e tampouco invade responsabilidades do corpo docente, mas oferece um suporte adicional, criando um ambiente de aprendizagem mais eficaz e acolhedor, tanto para os alunos quanto para os educadores.
Além disso, a Constituição Federal Brasileira, em seu Artigo 205, reforça que a educação deve promover o "pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". No conceito ampliado de educação integral, o desenvolvimento socioemocional contempla perfeitamente essa definição, ampliando o conceito de educação de qualidade. Ao preparar cidadãos emocionalmente equilibrados e socialmente engajados, fortaleceremos o tecido social e criando as bases para um desenvolvimento econômico sustentável.
Em um momento em que o Brasil está avançando com novas propostas de PPPs na educação, com investimentos em jornadas ampliadas e currículos que visam educação integral, é crucial que gestores públicos, consultores, investidores e operadores compreendam a importância de integrar o desenvolvimento socioemocional no planejamento e execução desses projetos. Essa não é apenas uma demanda do presente, mas uma necessidade para o futuro. Deixar essa oportunidade passar significaria privar milhões de jovens brasileiros de uma educação mais completa e eficaz, comprometendo sua capacidade de contribuir para a sociedade de maneira plena.
Portanto, ao olhar para o horizonte de expansão e modernização das escolas por meio das PPPs, é imprescindível que consideremos o desenvolvimento socioemocional como um pilar central dessa transformação. Somente assim poderemos garantir que nossos jovens estejam preparados para enfrentar os desafios de um mundo em constante mudança, com as competências necessárias para liderar e inovar em suas carreiras e em suas vidas pessoais.
O Brasil não pode perder essa oportunidade! A inclusão do desenvolvimento socioemocional nas PPPs de educação é um passo estratégico em direção à geração de benefícios duradouros para o sistema educacional e para toda a sociedade!
*Suely Menezes é Pedagoga com habilitação em Administração Escolar e Orientação Educacional pela Universidade Federal do Pará, além de Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Taubaté. Atuou como Conselheira Nacional de Educação e foi Presidente da Câmara de Educação Básica do CNE até agosto de 2024.
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