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A importância do teto de gastos

Perda de credibilidade, fuga de investimentos e recessão são alguns dos riscos apontados pelo economista José Márcio Camargo, caso o Brasil fure o teto

Dinheiro (Juliano703/Getty Images)

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Mariana Martucci

Mariana Martucci

Publicado em 29 de outubro de 2020 às 17h54.

Última atualização em 29 de outubro de 2020 às 18h36.

A discussão em torno do teto de gastos públicos continua dominando o cenário econômico no Brasil. Para alguns analistas e membros do governo, aumentar os investimentos e introduzir um programa de transferência de renda mais robusto que o Bolsa Família, mesmo que sem obedecer ao teto de gastos, é fundamental para manter a trajetória de crescimento da economia em 2021 e ajudar os mais vulneráveis. Ao contrário, outros analistas, assim como o ministro da Economia, argumentam que a obediência ao teto é fundamental para que seja enviada uma mensagem crível aos investidores de que o governo está comprometido em gerar os superávits fiscais necessários para honrar os compromissos com a dívida no futuro.

Em uma primeira leitura, a estratégia de furar o teto parece socialmente mais adequada, pois promete manter o crescimento da economia e gerar emprego e renda. O problema é que ela não leva em consideração a reação dos investidores que financiam a dívida brasileira.

Diante dos enormes gastos realizados para enfrentar a pandemia, o Brasil vai fechar o ano de 2020 com um déficit de aproximadamente 12% do PIB e uma dívida correspondente a 95% do PIB. É a maior dívida como proporção do PIB entre todos os países emergentes. A pergunta é quem vai financiar este déficit e esta dívida e a que preço.

A reação dos investidores ao aumento dos gastos e da dívida em 2020 é apenas um indicador do que poderá acontecer caso o teto não seja respeitado. Desde o início da pandemia, o real teve uma desvalorização de mais de 30%, a curva de juros inclinou de forma significativa, com aumento das taxas de juro dos títulos longos, “forçando” o Tesouro a substituir títulos com vencimentos mais longos por títulos com vencimentos em prazos mais curtos para evitar um aumento do custo da dívida, gerando grande concentração de vencimentos no próximo ano e culminando na saída de quase 90 bilhões de reais de recursos externos da bolsa de valores brasileira.

Ainda que o teto não seja obedecido em 2020, com a implementação do chamado Orçamento de Guerra que separa os gastos com a pandemia dos gastos normais do governo, a promessa de que o teto será retomado a partir de 2021 manteve um mínimo de credibilidade no compromisso de que, uma vez passada a emergência, o governo retomaria a trajetória de equilíbrio fiscal e geração de superávits primários necessários para honrar a dívida. Isto evitou maior fuga de recursos do país, desvalorização ainda mais forte do real e queda acentuada dos preços dos títulos públicos e das ações.

O teto impõe que os gastos públicos permaneçam constantes em termos reais e, como qualquer crescimento do PIB gera aumento da receita tributária, o crescimento levará a uma redução dos déficits primários e, eventualmente, redução da dívida como proporção do PIB. Ou seja, o teto faz com que a promessa de gerar os superávits primários necessários para honrar a dívida no futuro seja crível. Em um país como o Brasil, historicamente leniente com o equilíbrio fiscal, isto é fundamental. A aprovação do teto em 2016 fez com que as taxas de juro dos títulos públicos caíssem de 20% para 5% ao ano, em média.

Furar o teto em 2021 é um sinal de que o compromisso com a sustentabilidade da dívida não será mantido, rompendo o frágil elo de credibilidade ainda existente entre os investidores e o governo brasileiro. O resultado seria fuga de investimentos, desvalorização cambial, aumento das taxas de juro de mercado, rebaixamento da nota do Brasil por agências de classificação de risco e pressão inflacionária. Recessão, desemprego, inflação e queda da renda real dos trabalhadores. Para os mais jovens, uma repetição do período 2011/2015, provavelmente piorada devido à maior relação dívida/PIB e, para os mais velhos, uma volta ao “eu sou você amanhã”, como estávamos acostumados a nos referir à relação Brasil/Argentina em um passado não tão distante.

*José Márcio Camargo é professor do departamento de economia da PUC/Rio e economista-chefe da Genial Investimentos. Ph.D. em economia pelo MIT, é autor de vários livros e artigos acadêmicos. Foi consultor da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Mundial (Bird).

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