Evento marcou sua 11ª edição (Franscisco Martins/EXAME.com/Exame)
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Publicado em 1 de junho de 2023 às 18h30.
Última atualização em 1 de junho de 2023 às 19h28.
Por Caio Campello de Menezes*
Na 11ª edição da pesquisa Global Family Business Survey realizada em março de 2023 pela empresa de consultoria PwC, que contou com a participação de 2.043 gestores e proprietários de empresas familiares ao redor do mundo, em 82 países, foram compiladas informações de extrema utilidade sobre os negócios familiares. A pesquisa trouxe um dado que chama a atenção a respeito do pequeno número de empresas familiares que dispõem de um sistema de resolução de conflitos. Globalmente, apenas 19% aplicam um mecanismo de resolução de seus conflitos por meio de terceiros.
Pelo fato de poucas empresas familiares disporem de regras e políticas da contratação de serviços externos para a intermediação de suas controvérsias, uma das recomendações feitas pela PwC (na edição anterior da pesquisa) foi no sentido de “Profissionalizar o governo nas empresas familiares. Ter uma estrutura de governo profissionalizada e um processo claro para a resolução de conflitos, de preferência um que envolva elementos independentes, é importante, particularmente para as empresas familiares. Este tipo de abordagem retira a componente emocional e o preconceito pessoal do processo de tomada de decisão, que são identificados pelos próprios como obstáculos comuns para os negócios.”
Está cada vez mais claro, nos dias de hoje, que as disputas precisam ser evitadas. Na grande maioria das vezes, a briga traz apenas aspectos negativos às pessoas, às empresas, às famílias e à sociedade. Gastos de recursos financeiros, de recursos humanos e de tempo são as desvantagens mais óbvias que os conflitos causam.
Em realidade, os impactos são mais extensos e profundos do que isso. Um conflito pode gerar, por exemplo, a ruptura de laços familiares, que foram construídos por gerações e gerações e que serviram de base para a formação de uma empresa familiar. Essa quebra traz repercussões não só para os membros familiares, individualmente considerados, mas também para os negócios familiares, que podem ruir por completo em virtude da não resolução dessas disputas.
Como consequência, o setor da economia em que essa empresa familiar está inserida também é afetado, justamente pela perda de um importante participante. Com isso, a cidade, o estado e o país também passam a perder com a ausência daquele negócio familiar, que se arruinou. Empregos deixam de ser gerados, impostos deixam de ser arrecadados e dinheiro deixa de circular na economia.
Uma marca, construída por décadas e, às vezes, por séculos pelo suor da primeira geração familiar, pode ser completamente manchada no mundo dos negócios. A trajetória de história construída com base no esforço e dedicação do primeiro membro familiar pode, portanto, ser interrompida pela falta de habilidade dos herdeiros e sucessores, que não souberam administrar suas divergências de opinião e deixaram que o destino da empresa familiar fosse resolvido na esfera judicial ou arbitral.
Todo esse preocupante cenário demonstra que as empresas familiares, que estão em vias de iniciar um litígio, deveriam parar, se reunir e repensar o conflito prestes a eclodir. Há diversas formas de estruturar esse momento de reflexão entre os membros familiares, a depender do tamanho, da organização societária e das políticas de governança.
Colocando de lado as particularidades e variáveis de cada estrutura corporativa familiar, existem alguns elementos externos que podem ser aplicados em toda e qualquer empresa familiar. Um desses elementos é justamente a figura de um terceiro neutro, independente e imparcial, que auxiliará os membros familiares a encontrar mecanismos de prevenção e resolução de seus conflitos. Uma pessoa de confiança da família, que traga um olhar isento e distante do conflito, contribuindo com ideias, sugestões e recomendações ainda não contaminadas pelas fortes emoções dos membros familiares.
A neutralidade e a isenção trazem consigo mais clareza, aumentando as chances de se encontrar uma solução prática e eficiente, que antes não era enxergada pela alta carga de litigiosidade emocional entre os entes familiares, diretamente envolvidos na discussão. Assuntos sensíveis como excesso ou falta de dinheiro e de poder passam a ser tratados pelo neutro de forma direta e profissional. Uma das recomendações da mencionada pesquisa realizada pela PwC foi no sentido de que as empresas familiares deveriam pedir ajuda externa para administrar seus conflitos e diferenças de opinião, já que “as emoções envolvidas nas discussões familiares podem ser difíceis de resolver internamente sem o apoio de um elemento externo que possa trazer uma posição de neutralidade.”
Há determinadas empresas familiares que já possuem um Acordo Familiar, um Conselho Familiar e sólidas regras de governança na sua estrutura organizacional. Entretanto, mesmo nesses negócios familiares mais sofisticados a prevenção de disputas não está incluída na agenda. Hoje, por exemplo, há uma tendência cada vez maior que empresas familiares invistam em políticas ESG. Contudo, não se tem discutido com profundidade a necessidade de implementação de práticas de prevenção de disputas na pauta “G” (governança). Os efeitos deletérios de uma briga familiar deveriam ser considerados pelos negócios familiares como um ato de governança. Um litígio desnecessário no âmbito de empresas familiares pode culminar na completa aniquilação dos negócios da família. Isso seria a constatação da maior falta de governança corporativa que uma empresa familiar poderia incorrer.
Um caminho possível para que a prevenção de disputa seja, de fato, considerada e aplicada no dia a dia das empresas familiares seria a previsão de cláusula de negociação e mediação nos Acordos Familiares. Isso faria com que as divergências que não puderam ser resolvidas pelos próprios membros familiares passassem a ser conduzidas por terceiros neutros.
O próprio Acordo Familiar já poderia prever expressamente quem seria o terceiro neutro, de modo que, uma vez que a controvérsia surja, já haja uma pessoa nomeada de comum acordo pelos membros familiares pronta para administrar o conflito. Esse neutro, imparcial e independente, ficaria, portanto, à disposição da família empresária para auxiliar nas discussões à medida em que os entraves familiares acontecessem. Figuraria como o “guardião” das disputas familiares, cuja principal responsabilidade seria gerir os conflitos e evitar a eclosão de processos judiciais e arbitrais.
Outro possível caminho rumo à prevenção de disputas, que também poderia ser adotado em paralelo e sem prejuízo da figura do neutro, seria o treinamento dos membros familiares. Existe na prevenção de litígios um caráter educacional muito evidente, que pode ser disseminado desde a geração mais velha até a geração mais jovem da empresa familiar. Esses ensinamentos teriam como principal objetivo conscientizar os membros familiares a respeito da importância da comunicação aberta e transparente, da administração de sentimentos e da gestão das crises pessoais, interpessoais e empresariais.
A empresa familiar traz um elemento diferente em relação às empresas corporativas: as pessoas sempre estarão no centro das discussões e decisões e, portanto, toda gestão de conflito deveria essencialmente focar nos membros familiares, e não no problema em si.
Assim, no mundo ideal, prevenir ou administrar controvérsias no âmbito de empresas familiares deveria combinar dois elementos, um externo e o outro interno: o primeiro seria contar com a neutralidade, imparcialidade e independência de um terceiro (externo), nomeado pela empresa familiar com base na confiança e na experiência em gestão de conflitos; o segundo seria o treinamento dos próprios membros da família (interno) para que aprendam a desenvolver ferramentas e habilidades próprias, que os ajudem a lidar com as crises familiares.
Com isso, fundadores e herdeiros devem se unir e trabalhar em conjunto, complementando-se em suas respectivas aptidões pessoais, comerciais e empresariais, sempre pautados na cultura e identidade familiar. Especialmente no Brasil, um país que depende e muito da força das empresas familiares para o seu desenvolvimento, é de extrema importância que os negócios familiares sejam preservados e perpetuados, por gerações e gerações. É uma forma de garantir que a abundância e a prosperidade continuem circulando na economia em prol de todos os brasileiros que possam se beneficiar de um legado familiar. Considerado que cerca de 85% das famílias empresariais brasileiras ainda não passaram da 1ª para a 2ª geração (segundo o Family Office Report Brasil 2019, elaborado por ISE e INEO), deve-se aproveitar esse momento para já implementar políticas de governança com mecanismos externos e internos de prevenção e composição dos conflitos familiares.
*Caio Campello de Menezes é advogado, especialista em prevenção e resolução alternativa de conflitos e árbitro nas mais renomadas câmaras nacionais e internacionais
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