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Zylberstajn, da USP: a previdência atual é injusta

Carol Oliveira A polêmica proposta de reforma da previdência do governo Michel Temer virou assunto em todas as rodas de conversa, da sala dos empresários à mesa de bar. A PEC 287 estabelece, dentre outras mudanças, uma idade mínima de 65 anos para se aposentar e a necessidade de contribuir por 49 anos para obter o […]

HÉLIO ZYLBERSTAJN: Economista apresenta outro modelo possível de reforma na Previdência / Miguel Ângelo/Divulgação

HÉLIO ZYLBERSTAJN: Economista apresenta outro modelo possível de reforma na Previdência / Miguel Ângelo/Divulgação

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Da Redação

Publicado em 14 de dezembro de 2016 às 10h42.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h55.

Carol Oliveira

A polêmica proposta de reforma da previdência do governo Michel Temer virou assunto em todas as rodas de conversa, da sala dos empresários à mesa de bar. A PEC 287 estabelece, dentre outras mudanças, uma idade mínima de 65 anos para se aposentar e a necessidade de contribuir por 49 anos para obter o benefício integral. Ainda assim, diante do déficit de mais de 181 bilhões de reais estimado pelo INSS para a previdência em 2017, muitos argumentam que apenas essas mudanças não serão suficientes para cobrir o rombo a longo prazo. Críticos da reforma também afirmam que ela penalizará os contribuintes brasileiros, que dificilmente poderão desfrutar de uma aposentadoria plena.

Para o economista Hélio Zylberstajn, professor da USP e consultor do Banco Mundial, da Organização Internacional do Trabalho e do Banco Interamericano de Desenvolvimento, a reforma de Temer deve ser tocada paralelamente a uma reestruturação completa do sistema. O pesquisador, um dos maiores especialistas em previdência no Brasil, propõe um modelo que forneça um valor mínimo a todos os trabalhadores, aliado a pilares adicionais de capitalização e previdência privada. Em entrevista a EXAME Hoje, Zylberstajn elucida outras formas possíveis de reformar a Previdência Social.

O déficit estimado para a previdência dos servidores de empresas privadas, em 2017, é de 181,2 bilhões de reais. A reforma proposta pelo governo é suficiente para cobrir esse buraco?

Precisamos dar uma boa mexida no velho sistema, mas precisamos também criar um novo, ou não vai ser suficiente.

A reforma estipula 49 anos de contribuição para se aposentar com benefício integral. Por que um tempo tão longo?

Isso precisa ser esclarecido. O que o governo está propondo é que a idade mínima para se aposentar seja de 65 anos. Quem tiver 25 anos de contribuição, recebe 76% do benefício. É possível se aposentar, só que sem o benefício cheio. Quem quiser melhorar o benefício, contribui por mais tempo. Ninguém é obrigado a trabalhar por 49 anos.

A reforma não pode onerar os mais pobres?

Hoje, o sistema é injusto. Os que ganham menos são os que estão se aposentando mais tarde. Quem só teve 15 anos de contribuição precisa esperar até os 65 anos. E esse cara com pouco tempo de contribuição geralmente é o que esteve na informalidade e, por isso, não conseguiu juntar o tempo de contribuição. Quem se aposenta aos 55, hoje, são os trabalhadores da classe média e da classe alta, que começaram a trabalhar mais tarde, mas sempre foram regularizados. O que a reforma está propondo é que todo mundo passe a se aposentar com 65.

E o que fazer com o desemprego em idade avançada?

A taxa de desemprego entre quem tem 50 anos ou mais é menor do que a média. O problema do desemprego está entre os jovens, não entre os idosos. Mas, de qualquer forma, o que precisamos é criar uma legislação que seja mais flexível para empregar um idoso. Ele não quer uma carteira assinada num emprego de 8 horas por dia. Ele quer mais um bico. A gente precisaria criar um regime de trabalho específico para o idoso, como um estágio. Em pouco tempo, teremos abundância de idosos e escassez de jovens, e precisamos lidar com isso no mercado de trabalho.

A capitalização é uma saída para a previdência brasileira?

O que hoje se sabe e se recomenda por todos os mecanismos especializados é que o sistema não pode ser exclusivamente de um jeito. Não pode ser só capitalizado (quando é criado um fundo pago pelo próprio trabalhador, como nos fundos de previdência privada) e não pode ser só de repartição (como é o nosso INSS, quando o trabalhador na ativa contribui para o sistema e paga os benefícios do aposentado). Ele também não pode ser só público e não pode ser só privado. Os países estão tendendo para um modelo misto. Porque se tira a obrigação do Estado de cuidar da aposentadoria integral de todo mundo e se deixa um pouco para os indivíduos cuidarem.

Como seria esse modelo misto?

Eu proponho a distribuição em quatro pilares:

  • O pilar 1 seria financiado pelo Tesouro. Seria não-contributivo, e mesmo quem não contribuiu receberia um valor mínimo. Esse valor não seria atrelado ao salário mínimo – eu estimo algo em torno de 400 ou 500 reais.
  • O segundo pilar é por repartição e contributivo, como é o INSS hoje. O teto seria de 2.500 reais (menor que os 5.000 de hoje).
  • O terceiro pilar é capitalizado, com contribuições como o fundo de garantia ajudando a complementar a aposentadoria, e todo mundo teria acesso.
  • O quarto pilar é para os indivíduos que podem complementar com um aposentadorias privadas.

É justo que quem nunca contribuiu receba um valor mínimo?

Se fizermos isso só para os pobres, começamos a entrar no problema do critério: como medir? Acabamos caindo na questão de todos os programas sociais, em que é preciso carimbar que o beneficiário pertence a determinada categoria. Isso acaba sendo manipulado politicamente e incluindo quem não precisa. Mas o custo fica menor com um valor mínimo para todo mundo.

E para quem quiser ganhar além do mínimo? Como funcionaria a contribuição?

Os 500 reais todo mundo já tem, e o INSS pagaria os 2.000 reais restantes, repondo 100% do salário. Ou seja, a pessoa se aposentaria com o mesmo salário que ganhava, desde que não ultrapasse o teto de 2.500 reais. Para isso, seria preciso atingir a idade mínima de 65 anos, com 40 anos de contribuição para homens e 35 para mulheres. Também haveria uma alíquota de contribuição menor – suponho uns 6% para o trabalhador e mais 6% para a empresa. Hoje, a alíquota é de 31% (11% do trabalhador e 20% da empresa). Esse valor é enorme.

Então, as empresas e trabalhadores vão contribuir menos? Como isso seria possível?

Porque o benefício pago diretamente pelo INSS seria menor. Hoje, o teto é de 5.189,82 reais. E também seria muito mais barato formalizar, com alívio dos encargos sobre a folha. Com mais trabalhadores formalizados, mais contribuição.

O senhor também propõe que o fundo de garantia ajude a complementar a aposentadoria. Como funcionaria isso?

Primeiro, a gente extinguiria a contribuição do PIS, que hoje paga abonos salariais e onera as empresas. O fundo de garantia (o FGTS) e o seguro-desemprego seriam fundidos. Depois de contribuir o suficiente para pagar seu seguro-desemprego (o equivalente a seis meses de salário), o contribuinte pode decidir se continua deixando o que vier na conta vinculada (com rendimentos a taxas de mercado, diferentemente do que acontece hoje, com pagamento abaixo da inflação), ou se vai pro mercado e compra um plano de previdência, mas o valor não poderia ser retirado antes da aposentadoria. Hoje, o dinheiro do trabalhador é usado pelo governo para políticas sociais. O trabalhador subsidia políticas sociais, mas depois não tem dinheiro para a previdência. Esse sistema também desestimula fraudes no seguro-desemprego, porque quanto mais a pessoa usar o benefício, menos ela vai ter para a aposentadoria.

Esse modelo não é pior para os trabalhadores pobres ou para os que não conseguem se recolocar no mercado de trabalho rapidamente?

Há várias formas de resolver isso. Hoje, as empresas pagam multa de 50% em demissões sem justa causa, por exemplo — 40% vai para o trabalhador e 10% para o governo. Nossa sugestão é que esses 50% sejam aplicados na conta do seguro-desemprego dos trabalhadores que ganham menos, até 1.500 reais. O abono salarial poderia ser dividido entre os mais pobres. O sistema continuaria sendo redistributivo.

O Chile tentou capitalizar seu sistema de aposentadorias na década de 1980, mas está voltando atrás e implantando novamente o sistema anterior. Porque a capitalização não deu certo lá?

O exemplo do Chile é muito ilustrativo. O Pinochet baixou uma lei na marra e substituiu um sistema que antes era muito parecido com o nosso. Privatizou tudo, ficou tudo capitalizado. Foi só 30 anos depois que ele descobriu que pessoas que estavam na idade de se aposentar não tinham formado sua poupança capitalizada, porque ficavam transitando entre o emprego e desemprego e, por isso, não conseguiram juntar fundos suficientes. Agora, criaram um pilar não-contributivo, para garantir o mínimo para esse perfil da população. Então, elas terão garantido pelo menos o mínimo.

A reforma proposta governo tira alguns privilégios da aposentadoria rural, que funciona em regime especial, garantindo o benefício mesmo para quem não contribuiu. Isso não é um problema, levando-se em conta que os trabalhadores rurais, no geral, trabalham em condições mais insalubres e na informalidade?

Essa polêmica sobre a previdência rural é porque o sistema está todo confuso. Hoje, para ter acesso, basta provar que foi trabalhador rural. E como isso é feito? Com uma cartinha do sindicato. Por isso, o Brasil é o único país em que a taxa de sindicalização rural cresceu. É uma troca de favores. Então, vamos reconhecer isso de uma vez por todas e acabar com a previdência rural. Por isso o nosso modelo propõe dar um valor mínimo para todo mundo, bastando chegar aos 65 anos.

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