Rio de Janeiro - O quadro de "calamidade" enfrentado pelos pacientes que dependem do serviço público de saúde do Rio de Janeiro tende a se agravar em decorrência do zika vírus e pode comprometer o atendimento a milhares de visitantes durante os Jogos Olímpicos, alertam médicos.
"Se hoje já é difícil atender a população moradora do Rio de Janeiro, que dirá durante as Olimpíadas com a chegada de milhares de pessoas que virão assistir aos Jogos", disse à Reuters o presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, Jorge Dazre.
A disseminação do zika vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, deixou o país em alerta no momento em que atletas internacionais e turistas do Brasil e do mundo se preparam para viajar ao Rio para os Jogos de agosto.
Em meio a uma crise de recursos, que levou o governador Luiz Fernando Pezão a decretar estado de emergência no fim do ano passado, os locais de atendimento médico da cidade-sede da Olimpíada têm ficado ainda mais sobrecarregados com os casos de zika.
"O sistema está em situação de calamidade, não tem condições hoje de dar o atendimento necessário, e é claro que com as epidemias em curso a situação piora bastante", acrescentou Dazre.
Desde o início do ano foram notificados 1.499 casos de zika no Rio, de acordo com dados da Secretaria Municipal de Saúde em 10 de fevereiro, enquanto há um ano não se tinha sequer notícia de que o mosquito Aedes transportava o vírus no país.
Soma-se a isso um grande aumento nos casos de dengue, também transmitida pelo Aedes. Em janeiro, segundo dados municipais, foram registrados 1.122 casos, em comparação com apenas 165 um ano atrás.
Longas filas
O aumento expressivo no número de casos se reflete em longas filas em unidades de atendimento médico da cidade por pessoas em busca de tratamento, apesar de o zika ser um vírus que não causa sintomas em quatro de cada cinco infectados.
Segundo relatos de pacientes, médicos de Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) culpam o alto número de pessoas com suspeita de zika pela demora na atenção.
"O médico disse que metade das pessoas na fila era por causa da zika", afirmou a estudante Raiane Oliveira, de 19 anos, que contou ter passado seis horas esperando para ser atendida, e depois foi informada que os medicamentos para coceira na pele e febre tinham acabado devido ao grande número de pacientes.
Os problemas na rede pública de saúde do Rio, no entanto, não devem ter impacto para atletas e delegações dos Jogos, que serão cobertos pelo atendimento médico da organização da Olimpíada, mas muitos dos 500 mil visitantes estrangeiros esperados na cidade, além de um número ainda maior de turistas nacionais, podem ter de recorrer a UPAs e hospitais públicos.
O zika vírus está causando alarme mundial desde que se alastrou pelas Américas, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou emergência global de saúde pública em 1º de fevereiro devido à ligação entre o vírus e milhares de casos de bebês com microcefalia no Brasil.
Preocupação
Alguns atletas estrangeiros já demonstraram preocupação em vir ao Rio para os Jogos Olímpicos em decorrência do surto, e o Comitê Olímpico dos Estados Unidos (Usoc) chegou a dizer a federações esportivas do país que atletas e funcionários temerosos do zika vírus deveriam cogitar não disputar os Jogos.
Pacientes da rede pública da cidade também reclamaram da falta de medicamentos para tratar os sintomas da doença, para a qual ainda não há vacina ou cura.
A coordenação da rede de UPAs negou, em nota, que pacientes não estejam sendo assistidos por falta de medicamentos no local.
“Todos os pacientes que buscam a unidade são acolhidos, não havendo desassistência”, disse.
Autoridades municipais e os organizadores dos Jogos insistem em dizer a quem pretende visitar o Rio na Olimpíada para não ter medo, uma vez que o mês de agosto, no inverno, é uma época em que o clima estará mais seco e mais frio, proporcionando condições menos hospitaleiras para o mosquito que transmite o vírus.
Apesar de o Aedes aegypti ficar menos ativo do que nos meses mais quentes, uma análise da Reuters de registros municipais de saúde de alguns anos mostra que infecção transmitida por mosquitos nos meses de agosto pode ser tão ruim ou até pior do que nos meses de pico usuais para as infecções.
"Nosso papel como sindicato dos médicos é alertar essa população que virá ao Rio de Janeiro, seja ela de outros Estados ou até mesmo de outros países, para que venham, mas venham sabendo que se adoecerem não terão instituições com possibilidades de dar o atendimento necessário", afirmou Dazre, do sindicato dos médicos.
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1. Zika
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1/10 (Marvin Recinos / AFP)
São Paulo – Descoberto em 1947, o vírus
zika foi nomeado a partir da floresta na qual foi descoberto, a Floresta de Zika, em Uganda. No entanto, nessa época, ele não atingia o ser humano, mas, sim, os macacos na região. Até 2007, somente 14 casos de humanos com a doença haviam sido constatados na
África e na
Ásia. A maioria das pessoas infectadas não apresentavam sequer sintomas que indicassem o contagio. Mas esse cenário mudou. Em maio de 2015, a Organização de Saúde Panamericana divulgou um alerta sobre os primeiros casos de transmissão do vírus no Brasil. O zika é uma epidemia no território nacional, sendo motivo de preocupação para a Organização Mundial da Saúde e alvo de campanhas do
Ministério da Saúde, que buscam reduzir a quantidade dos mosquitos que transmitem a doença, principalmente o Aedes aegypti – que também pode transmitir a dengue e o chikungunya. Com isso, diversos pesquisadores dedicaram seus esforços para descobrir mais sobre o zika. Confira, a seguir, o que a ciência já sabe sobre esse vírus.
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2. Sintomas
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2/10 (Wikimedia Commons)
Mais de 80% das pessoas que têm o vírus zika não apresentam sintomas. Mas a doença pode causar febre intermitente, dor de cabeça, cansaço, dores no corpo, manchas vermelhas na pela e conjuntivite. No entanto, novos sintomas ainda podem aparecer conforme o número de casos aumenta. Os sintomas desaparecem após um período de dois a sete dias.
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3. Transmissão
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3/10 (Wikimedia Commons)
A transmissão do zika se dá pela picada dos mosquitos Aedes aegypti e do Aedes albopictus, sendo que o primeiro é o que tem maior quantidade no Brasil. No entanto, a ciência já identificou evidências de transmissão pelo leite materno, por
saliva e pelo
sêmen. "O Zika vírus foi encontrado de forma ativa, ou seja, com capacidade de infecção, na urina e na saliva", disse em entrevista coletiva o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, no Rio de Janeiro. O Ministério da Saúde, entretanto, reconhece somente o mosquito como vetor do vírus e diz que as demais formas de transmissão ainda requerem pesquisas. Os insetos se reproduzem em água parada, limpa ou suja.
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4. MIcrocefalia
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4/10 (Ueslei Marcelino / Reuters)
A relação entre o vírus zika e o
aumento de casos de bebês que nasceram com microcefalia no Brasil ainda é alvo de estudos científicos mais aprofundados, como o que a USP conduz atualmente com 3 mil gestantes, e que deve ficar pronto no final do ano que vem. O número de recém-nascidos com a má-formação cerebral potencialmente ligada ao zika foi de 4.783 casos suspeitos de microcefalia no país desde outubro, mas 709 deles foram descartados, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Em um estudo divulgado em 29 de janeiro, pesquisadores afirmam ter encontrado o
RNA do vírus zika no líquido aminiótico – ou seja, o líquido que protege o bebê durante a gravidez – de duas mulheres grávidas cujos fetos tiveram microcefalia. Mas em um relatório divulgado em 5 de fevereiro, a OMS afirma que ainda é preciso realizar mais
pesquisas para determinar a relação da doença com a microcefalia, apesar da epidemia do vírus e do aumento de bebês com má-formação cerebral acontecerem concomitantemente no Brasil.
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5. Olhos
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5/10 (BananaStock/Thinkstock)
A Universidade Federal de São Paulo identificou que ao menos 13 crianças com microcefalia ligada ao vírus zika em Salvador e Recife apresentam
lesões oculares que podem ocasionar a cegueira. Em enormes áreas não existe tecido nervoso. É como se fosse uma tela de televisão com uma parte esburacada, preta, sem condições de enxergar mais", disse ao Estadão o oftalmologista Rubens Belfort Jr, que liderou o estudo.
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6. Repelentes
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6/10 (Wikimedia Commons)
Repelentes naturais
não ajudam a proteger contra o Aedes Aegypti. Ou seja, produtos a base de cravo, citronela ou andiroba, por exemplo, não têm comprovação científica nem sequer são registrados pela Anvisa. Há repelentes que contam com esses componentes, mas têm outro princípio ativo. A
recomendação principal da OMS é que as mulheres grávidas cubram o corpo em locais em que a taxa de transmissão do zika é alta.
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7. Resposta imune
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Assim como acontece no caso da dengue, a resposta imune do organismo que já contraiu o zika não nos protege de variações do vírus. Com isso, a reação do organismo ao segundo contagio da doença pode potencializar os sintomas, assim como acontece no chamado síndrome do choque da dengue.
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8. Vacina
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8/10 (Wikimedia Commons)
Por conta dessa resposta imune ineficiente a diferentes tipos de zika, uma vacina contra o vírus ainda está longe de chegar ao consumidor final. Testes devem começar dentro de
18 meses ou dois anos. Na visão de cientistas da Universidade do Texas que visitaram o Brasil recentemente para fins de pesquisa, a vacina pode demorar até
10 anos para ser comercializada.
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9. Paracetamol
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Não há tratamento para o vírus em si, somente para os sintomas que ele pode apresentar. Por isso, somente acetaminofeno (paracetamol) ou dipirona são recomendados para controlar a febre e as dores no corpo. Para as manchas vermelhas que podem aparecer na vítima, medicamentos anti-histamínicos podem ser prescritos por médicos.
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10. Síndrome de Guillain-Barré
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10/10 (Wikimedia Commons)
Em casos raros, há
evidências de que o vírus zika é capaz de desencadear a síndrome de Guillain-Barré. Essa doença pode causar desde fraqueza muscular até a paralisia de membros. 24 casos foram identificados em Rio Grande do Norte entre os meses de abril e junho do ano passado em 2015. Em Pernambuco, foram pelo menos 130 casos, na Bahia, 55, e no Maranhão, 14. O maior risco da síndrome de Guillain-Barré é quando a doença afeta os músculos respiratórios, o que pode causar a morte da pessoa se não foram tomadas medidas de suporte respiratório.