Jair Bolsonaro: falas do presidenciável já lhe renderam acusações de homofóbico, misógino e racista (REUTERS/Paulo Whitaker/Reuters)
Reuters
Publicado em 20 de julho de 2018 às 20h07.
Brasília - A verborragia nas declarações e o jeito simples galvanizam ardorosos apoiadores que celebram o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) como "mito" e o defendem nas ruas e nas redes sociais, ao mesmo tempo em que outra legião, de críticos, o acusa de discriminação, de ser preconceituoso e avalia que ele vai morrer na praia na campanha presidencial.
A menos de três meses das eleições presidenciais, o capitão do Exército da reserva consolidou-se como o líder nas pesquisas de intenção ao Palácio do Planalto no papel de franco atirador, no cenário provável que não prevê o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Essa "franqueza" dele tem sido apontada, por entusiastas, como uma de suas principais virtudes e também como uma de suas principais fragilidades na disputa --ele empata com Lula no quesito rejeição, segundo recente pesquisa CNI/Ibope.
Declarações em apoio à ditadura militar --recentemente comparou a um "tapa no bumbum" execuções determinadas pelo ex-presidente Ernesto Geisel, segundo revelou documento da CIA-- e polêmicas que já viraram investigações criminais --ele é réu em dois processos no episódio em que, em 2014, disse que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS) porque ela "não mereceria" e também é alvo de denúncia de racismo num evento que disse que "quilombolas não servem nem para procriar"-- têm aumentado a preocupação em aliados.
Essas falas já lhe renderam acusações de homofóbico, misógino e racista.
Na denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF), a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou que as "manifestações feitas pelo acusado, de incitação a comportamento e sentimento xenofóbico, reforçam atitudes de violência e discriminação que são vedadas pela Constituição e pela lei penal".
Bolsonaro sempre negou, em declarações públicas e também nos autos dessas investigações que tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF), ter cometido crime em relação a esses episódios.
Aos 63 anos, Jair Messias Bolsonaro coloca-se como o nome ao Planalto contra o establishment político, boa parte do qual dizimado pela operação Lava Jato, e como um outsider, mesmo tendo sete mandatos de deputado (27 anos de Congresso) e passado por vários partidos.
É uma grande mudança de perfil para quem, até pouco tempo atrás, tinha como principal foco de atuação política a defesa, no Congresso, de demandas corporativas das Forças Armadas.
O deputado filiou-se no início do ano ao Partido Social Liberal (PSL), legenda pela qual disputará a Presidência e que deverá ter no primeiro turno somente 8 segundos em cada bloco de 12 minutos e 30 segundos na propaganda eleitoral de rádio e TV, um dos principais meios para transmitir as ideias e programas do candidato.
Desde a eleição presidencial de 1989, a campanha na TV --aliada aos palanques nos Estados-- tem tido grande influência na corrida ao Planalto. Bolsonaro não tem nenhum dos dois. A aposta de seus apoiadores, ainda que receiem o início da campanha eleitoral e a "invisibilidade" advinda dela, é que as redes sociais vão subverter essa ordem.
"Essa eleição vai se definir entre a política tradicional e a rede social", disse o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do parlamentar.
Por ora, o pré-candidato tem sido tratado, de maneira geral, com desdém por políticos de partidos tradicionais --acreditam se tratar de uma bolha que estoura nas eleições. Tanto que, dificilmente, vai fechar aliança com algum partido para 2018.
O deputado conta com 5,3 milhões de fãs no Facebook, tem 623 mil assinantes no canal do Youtube e quase 1,2 milhão de seguidores no Twitter --só perde nesse último quesito, entre os pré-candidatos a presidente, para a ex-ministra Marina Silva (Rede), conforme o site Torabit, especializado em análise de redes sociais.
A operação para dar visibilidade ao trabalho dele nas redes sociais envolve apenas seis pessoas, nas contas do assessor de imprensa de Bolsonaro, Eduardo Guimarães. São assessores, o filho e vereador no Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro, e o próprio deputado que gravam, editam, escrevem e publicam em cada uma das redes.
Esse é o principal canal para mobilizar seus apoiadores nas viagens que faz, em voos de carreira, aos Estados. Neles, geralmente aparece chegando a aeroportos ovacionado aos gritos de "mito".
"Nas posições dele, ele é muito enfático realmente. Quando entra na discussão, ele faz valer a opinião dele da maneira mais enfática possível", disse à Reuters Frederico D'Ávila, um dos diretores da Sociedade Rural Brasileira e um dos coordenadores de Bolsonaro para o setor agropecuário.
"Mas ele é um cara brincalhão, afetuoso, risonho. É um cara acessível, ele deixa as pessoas agarrarem ele, abraçar ele, tirar foto com ele, grava recado no celular das pessoas, percebe a condição humana de cada um", acrescentou.
Por ora, mesmo liderando a corrida nos cenários sem Lula, que está preso, Bolsonaro não tem uma estrutura de campanha predefinida e chega à convenção sem qualquer partido formalmente aliado --após acertos com PR e PRP para indicar o vice terem naufragado nos últimos dias.
O presidenciável também tem contado com uma restrita lista de apoiadores de peso no país em prol do seu plano presidencial. O economista Paulo Guedes --cotado para ser o ministro da Fazenda caso seja eleito-- é um dos raros a trabalhar pelo capitão da reserva, numa relação que nasceu praticamente do acaso.
No final do ano passado, segundo Guedes, o economista encontrou-se com Bolsonaro em uma sala reservada de um hotel no Rio de Janeiro. A reunião foi intermediada por um conhecido do economista que mora fora do país, a pedido de interlocutores do deputado.
O pré-candidato do PSL disse que queria ajuda para lidar com assuntos econômicos, mas Guedes afirmou que na ocasião não poderia porque estava trabalhando para construir a candidatura do apresentador Luciano Huck, segundo relato do próprio economista à Reuters.
O deputado pediu-lhe que, se Huck desistisse, poderia ajudá-lo nessa área. A falta de preparo econômico é uma das críticas feitas ao pré-candidato do PSL.
Recebeu um sim dele e, com a saída do páreo do apresentador uma semana depois, Guedes --economista com Ph.D. na Universidade de Chicago, considerado um templo mundial do liberalismo- virou o conselheiro de Bolsonaro, que historicamente defendeu a presença firme do Estado.
"Gostei do Paulo, veio no quartel-general do inimigo e falou a verdade", disse Bolsonaro ao final daquele encontro no hotel, segundo relato feito por Guedes.
Em tom humilde, o pré-candidato tem dito que "não entende" de economia, mas tem se reunido duas vezes ao mês com Guedes, além das habituais trocas de mensagens por WhatsApp com seu conselheiro.
"Não posso ser acusado de mergulhar o Brasil nessa situação de quase insolvência por não entender do assunto, o presidente é um técnico, não vai jogar bola, não vai entrar em campo, tem que ter discernimento, humildade e força para buscar soluções para os problemas", disse Bolsonaro, em sabatina no início de julho.
A parte mais evidente das ideias de Bolsonaro está na segurança pública, quando faz um enfático discurso em defesa da possibilidade de o cidadão ter direito ao porte de armas para combater a violência.
Na relação com o Congresso, mesmo filiado a um partido que hoje tem apenas oito deputados e nenhum senador, advoga o apoio das legendas a propostas de interesse do seu eventual governo por temas.
O parlamentar disse que só não topa o apoio no Legislativo do que ele chama de "extrema esquerda" --PT, PCdoB e PSOL. Nessa lógica, ele tem focado como alvo preferencial Lula.
(Reportagem adicional de Eduardo Simões, em São Paulo)