O elenco do filme Cidade de Deus com os diretores Fernando Meirelles (centro) e Katia Lund (2ª à direita)
Da Redação
Publicado em 21 de setembro de 2011 às 11h06.
Rio de Janeiro - Filmes como "Cidade de Deus" e "Tropa de Elite" levaram a violência das favelas brasileiras para as telas de cinema do mundo todo e foram sucessos de público, mas também parecem ter aprisionado as produções do país em um gênero do qual elas lutam para se distanciar, afirmaram especialistas consultados pela AFP.
De acordo com a Agência Nacional de Cinema (Ancine), o filme brasileiro de maior sucesso dentro do país de 1995 até 2009 foi a comédia "Se eu fosse você 2", lançada no ano passado e que atraiu 6.137.345 de pessoas às salas.
Um número muito superior ao do mundialmente famoso "Cidade de Deus" (2002), em quinto lugar entre os mais vistos no país desde 1995, com 3.370.871 espectadores, ou de "Tropa de Elite" (2007), que ocupa a longínqua 11ª posição da tabela, com 2.417.754 espectadores.
"Cidade de Deus", do diretor Fernando Meirelles, de "Ensaio sobre a cegueira", foi o responsável por impulsionar o consumo dessas histórias recheadas de violência e que têm como pano de fundo favelas brasileiras. Ele levou a estatueta de montagem do Bafta, o principal prêmio inglês, foi indicado para quatro categorias do Oscar, além de fazer sucesso na seleção oficial de Cannes.
E, desde que começou a conquistar o exterior, esse gênero tornou-se a representação do Brasil para o resto do mundo, fazendo qualquer produção que não gire em torno do esterótipo violência-favela-pobreza sofrer para se destacar massivamente no mercado externo.
"Os temas que interessam ao mercado estrangeiro para o cinema feito no Brasil ainda são aqueles que reproduzem o noticiário mais comum sobre o país", esclarece Pedro Butcher, editor do site especializado em cinema Filme B.
Ele acrescenta ainda que "não podemos esperar de um país em que a miséria e a violência ainda são problemas graves um cinema que ignore essas questões".
Mas para o cineasta Cacá Diegues, que lançou fora da competição oficial do Festival de Cannes deste ano o filme "5 X favela: Agora por nós mesmos", a culpa não é dos cineastas, mas dos espectadores.
"Lá fora, a imagem do Brasil já foi de samba, futebol, carnaval. Agora é favela. A imprensa estrangeira registrou isso e a favela se tornou um estigma, um desejo do público estrangeiro. Quem escolhe isso não somos nós", afirma.
Opinião relativizada por Ivana Bentes, diretora da Escola de Comunicação da UFRJ, pesquisadora de cinema brasileiro contemporâneo e crítica. Para ela, "essa relação é um pouco perversa, há um folclore por trás desse tema no exterior, a pobreza é tratada como exótica, é como um zoológico humano".
O que não diminui a parcela de responsabilidade do Brasil na propagação deste gênero, seja devido aos lucros de mercado, seja em prol de uma melhora nas questões sociais, já que essas produções, incluídas na chamada "cosmética da fome", atraem o interesse do público, como completa Bentes.
O crítico do jornal O Globo André Miranda é reticente sobre o assunto. "Não sei até que ponto alguém fez certo filme para vender ou pela arte. Mas não acho ruim fazer um filme pensando em vender, porque cinema também é produto. Acredito que atualmente são produzidos filmes desse gênero tanto porque são bem-sucedidos como porque é importante olhar para as classes mais pobres", explica.
Já Pedro Butcher aposta no início de um desgaste dessa temática. "Esse foi um fenômeno mais próximo do sucesso de 'Cidade de Deus'", afirma, citando o novo filme de Cacá Diegues como exemplo de obra que "trouxe uma nova visão, 'fresca', para o assunto".
Isso porque "5x Favela: Agora por nós mesmos", de Diegues, tenta um enfoque diferente através do trabalho de cinco jovens diretores oriundos de favelas, que produziram curtas-metragens com seus pontos de vista sobre as comunidades onde vivem.
E para Diegues, assim como é possível levar o tema favela com outras abordagens ao exterior, o cinema brasileiro conseguirá provar seu potencial em produções de diferentes gêneros. "O próximo passo é continuar mostrando a qualidade dos filmes do país, mostrar que o cinema nacional pode ser tudo, falar de qualquer tema, e não só favela", conclui Diegues.
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