Estudantes esperando o Enem: alguns passaram a vender alimentos nas ruas após serem despedidos de seus antigos empregos (Ricardo Matsukawa/VEJA)
Agência Brasil
Publicado em 5 de novembro de 2017 às 16h27.
Em tempos de crise e com o desemprego em alta, eventos que reúnem um bom número de pessoas passam a ser vistos por vendedores ambulantes como uma oportunidade de aumentar o faturamento. É o caso do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que, neste domingo (5) e no próximo (12), avalia o conhecimento de 6,73 milhões de candidatos que concluíram ou estão prestes a concluir o Ensino Médio. Com tanta gente envolvida, o exame acaba atraindo milhares de autônomos em todo o país.
Em Brasília, a Agência Brasil conversou com ambulantes que montavam suas barracas e tendas próximas aos portões de entrada dos locais das provas muito antes de os primeiros candidatos começarem a chegar.
Alguns deles passaram a vender alimentos nas ruas após serem despedidos de seus antigos empregos. Outros decidiram se aventurar na informalidade após calcular que podiam ganhar mais do que como assalariados.
"Com a crise, a firma em que eu trabalhava faliu. Fiquei desempregado e tive que apelar para as vendas ambulantes", contou o ex-cobrador Ailton Souza de Araújo, 52 anos. Há um ano ele tira o sustento da família de uma banca de doces e salgados industrializados que mantém com a esposa, Catia Cilene Alves de Araújo, 47 anos.
A exemplo de outros ambulantes com quem a reportagem conversou, o casal disse que depende de uma rede de informações que o ajuda a decidir quando e onde montar sua banquinha.
Em muitos casos, quando a dica não vem de outro vendedor de rua, ela parte de um parente ou amigo que trabalha em um órgão público ou instituição privada organizadora de um show, vestibular, concurso público ou evento esportivo.
"Há um grupo de pessoas mais experientes que passa informações e diz o que é bom comprarmos, o que vende mais. Nem todo mundo passa essas informações, que é para ter um concorrente a menos no local, mas nós temos um grupo em que todos procuram se ajudar", comentou Catia, explicando que sua rede é formada por vizinhos que já trabalhavam com vendas nas ruas e que, ao ver Araújo sem trabalho, incentivaram o casal a recorrer às vendas.
"Desempregado tem que apelar para qualquer coisa. Tem vezes que o ganho é bom, tem vezes que é uma quebra, mas somando o que ganhamos nesses dias, acaba sendo uma ajuda para comprarmos um ranguinho", acrescentou Ailton.
Para hoje, a maioria dos carrinhos e bancas montados ao redor dos locais de prova do Enem trazia mercadorias que indicavam conhecimento a respeito do que é permitido ao candidato levar para sala de aula: canetas pretas com o corpo transparente, garrafas d'água, barras de cereais e produtos industrializados devidamente lacrados eram os principais produtos à venda.
"Durante a semana, é muito raro eu vender canetas. Água também vende pouco. Já nos dias de provas, de concursos, estes produtos vendem bem e eu procuro trazer mais", contou Adriano Cardozo da Costa, 32 anos.
Técnico em telecomunicações, ele perdeu o emprego há três anos. Diante da dificuldade de conseguir outra colocação bem-remunerada, optou por se tornar vendedor de doces em frente ao campus do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), na Asa Sul, em Brasília (DF), onde trabalha de segunda a sexta-feira.
"Estes eventos ajudam muito a quem vive de vendas. Para mim, que só trabalho aqui na faculdade durante a semana, é importante guardar algum dinheiro para quando chega as férias e não há aulas. Para isso, eu preciso tentar reforçar os ganhos", explicou Costa.
Nenhum dos entrevistados revelou quanto fatura, em média, em um evento como o Enem. Cardozo apenas comentou que esperava vender menos que no ano passado, já que a faculdade em frente à qual monta sua barraca vai receber menos candidatos este ano.
"Ano passado tinha mais vendedores, mas também tinha mais alunos. Já passaram muitos vendedores por aqui. Hoje, mas quando eu disse a eles que ia dar pouca gente, que só os alunos com necessidades especiais vão fazer prova aqui, todos optaram por ir para outros lugares".
Para a ex-assistente de serviços gerais, Maria Pereira de Jesus, 55 anos, as vendas nas ruas foram a saída encontrada após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC) e perder o emprego.
Ao contrário da concorrência, ela apostou nos candidatos do Enem que chegariam cedo ao campus do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), na Asa Norte.
"Até a hora deles entrarem bate a fome", garantiu a ambulante enquanto assava os espetinhos de carne com que ganha a vida. "Parada eu não posso ficar. Então, eu fico de olho onde dá para ganhar um dinheirinho com meu carrinho".