Mario Volpi, representante do Unicef: 'governo precisa dialogar com estudantes sobre a reforma do ensino médio' (Unicef/Divulgação)
Bárbara Ferreira Santos
Publicado em 4 de novembro de 2016 às 13h00.
Última atualização em 4 de novembro de 2016 às 13h00.
São Paulo – Em um momento em que o Ministério da Educação (MEC) anuncia o adiamento do Enem para mais de 190 mil estudantes, o coordenador do Programa de Cidadania dos Adolescentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, Mário Volpi, afirma que as ocupações de escolas foram uma "oportunidade perdida" pelo governo federal para abrir um "diálogo transparente" com os adolescentes sobre a reforma do ensino médio.
Segundo Volpi, o prolongamento das ocupações a ponto de adiar a aplicação da prova deve ser visto pelo MEC como uma “lição aprendida”. “Eu não sei quais foram as tentativas (de negociação) feitas pelo governo, mas foi uma oportunidade perdida. Era um momento de abrir um diálogo transparente”, afirma Volpi.
“Por um lado, tem o direito à educação, o direito dos estudantes que não estão nas escolas ocupadas para fazer o Enem. Por outro, o direito de se manifestar. Existe aí uma isonomia de direitos, que são igualmente importantes. Então, tem que dialogar porque a falta do diálogo prejudica os dois grupos. Sempre existe uma possibilidade de diálogo e os estudantes têm compreensão do limite da estratégia que eles decidiram implantar”, diz.
Segundo o representante do Unicef, as ocupações das escolas mostram que há “uma voz que precisa ser ouvida”. Ele afirma que é necessário que haja um espaço de diálogo para que os adolescentes apresentem suas demandas. “É muito importante que a gente tenha uma educação que corresponda à linguagem, dinâmicas e conteúdos da adolescência. E isso só será feito se os adolescentes participarem dos debates”, acrescenta.
Segundo ele, esse diálogo tem de ser feito diretamente entre estudantes e gestores de políticas públicas. “A nossa preocupação é que esse diálogo seja feito por esses atores e não por outros, como a polícia e o Ministério Público”, diz Volpi. Segundo ele, onde esse diálogo foi aberto, as ocupações foram cessadas. “Em Minas Gerais, por exemplo, houve um diálogo para que as escolas ocupadas permitissem eleições e as votações aconteceram normalmente nesses locais.”
No início desta semana, após o aumento das ocupações em todo o país, o Unicef no Brasil divulgou uma nota em que pediu que o governo permita um diálogo entre gestores de políticas de educação e estudantes das escolas públicas ocupadas por todo o Brasil para solucionar as reivindicações dos estudantes.
Para o Unicef, o país precisa passar por uma reforma no ensino médio, etapa crítica da educação brasileira e na qual há mais adolescentes em idade escolar fora das escolas. “O Brasil está vivendo uma virada da formação demográfica e não pode desperdiçar a chance e o potencial desses jovens que hoje estão fora da escola mas daqui a algumas décadas vão estar no principal grupo da população economicamente ativa do país”, diz Volpi.
No entanto, para ele, o governo não conseguirá atrair os jovens para as escolas se não ouvir as demandas deles. “Se os gestores não souberem por que esse estudante saiu, não adianta chamar de volta. Esses diálogos são muito mais importantes para o Estado do que para os alunos, para que sejam criadas políticas que atendam às expectativas dos estudantes.”
Volpi afirma ainda que a Unicef se colocou à disposição do governo para facilitar a conversa entre esses alunos e gestores, inclusive trazendo experiências internacionais de outros países que passaram por reformas do ensino médio. “Já apresentamos ao governo nossas propostas e pedimos um encontro para falarmos sobre a reforma. Esperamos que seja possível realizar uma reforma que tenha como interesse a melhoria do ensino médio”, diz.
Após a polêmica medida proposta pelo governo Michel Temer (PMDB), o Congresso Nacional instalou uma comissão para analisar o caso. A expectativa é que diversos setores, incluindo os alunos, sejam ouvidos por deputados e senadores.