Brasil

Unicef ajuda munícipios a garantir educação, saúde e proteção social para crianças e adolescentes

Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) concede selo de qualidade para cidades que avançam na proteção de jovens

Jonatas Silva, 19 anos, mudou de vida ao participar de programa da prefeitura de Eusébio (CE), que tem apoio do Unicef (UNICEF/BRZ/Alécio Cezar/Exame)

Jonatas Silva, 19 anos, mudou de vida ao participar de programa da prefeitura de Eusébio (CE), que tem apoio do Unicef (UNICEF/BRZ/Alécio Cezar/Exame)

Antonio Temóteo
Antonio Temóteo

Repórter especial de Macroeconomia

Publicado em 19 de setembro de 2023 às 10h00.

Última atualização em 19 de setembro de 2023 às 10h25.

Eusébio (CE) - Em um país tão desigual como o Brasil, uma criança ou um adolescente conseguir se dedicar exclusivamente aos estudos é um direito não tão comum como se imagina. Jonatas Silva, 19 anos, viveu essa dura realidade. Morador de Eusébio (CE), na região metropolitana de Fortaleza, ele não se sentia acolhido em sala de aula e migrou para a “turma do fundão”, que recebia pouca atenção dos professores. Aos 15 anos preferia matar aula a participar das atividades curriculares.

Assim como todo adolescente, Jonatas queria um celular da moda e boas roupas. O dinheiro fácil para conquistar esses bens, ele encontrou no tráfico de drogas. Um amigo do bairro o ajudou a entrar nesse mundo. “Me sentia excluído no colégio e meus próprios colegas não me acolhiam. Sentia raiva, me tornei um jovem rude e me envolvi com coisas erradas. Dei muita tristeza para a minha mãe”, relembra, com os olhos marejados.

O jovem cearense nunca conviveu com o pai e a mãe se desdobrou para cuidar dos cinco filhos. A figura paterna chegou por meio do padrasto, que conheceu aos nove anos.  Jonatas conta que mudou de vida quando a diretora da Escola de Promoção à Vida (EPV), um programa da prefeitura de Eusébio para jovens que vivem em um contexto de vulnerabilidade social, fez sua matrícula e o levou para a sala de aula pelo braço.

A EPV tem por objetivo reduzir a evasão escolar e os índices de violência por meio da qualificação profissional, da conscientização sobre resiliência e dos conceitos de cidadania. Ainda contrariado, Jonatas começou a frequentar as aulas, se sentiu acolhido e se formou bombeiro civil, além de concluir o ensino médio. “Só consegui participar do programa porque não tinha ‘cargo’ no tráfico de drogas. Vendia para um amigo, que me incentivou a buscar um futuro melhor. Mas se tivesse ´cargo’ no tráfico não teriam me deixado sair. Descobri que estudar era o pulo do gato para conquistar uma vida melhor”, conta.

Atualmente, Jonatas trabalha em uma transportadora, cursa medicina veterinária e pretende trabalhar com inseminação e fisioterapia para equinos. É o primeiro da família que chegou à faculdade. Segundo ele, cavalos de vaquejadas são atletas de alto rendimento e precisam ser bem cuidados.

Selo Unicef

A Escola de Promoção à Vida começou em 2019 e é uma das diversas ações desenvolvidas pelo município para reduzir a evasão escolar. A medida faz parte de um programa multidisciplinar que tem por objetivo garantir que crianças e adolescentes, sobretudo as de baixa renda, tenham acesso à educação, a saúde e proteção social.

A coordenação entre as secretarias do município de Eusébio que busca melhorar a qualidade de vida para crianças e adolescentes tem o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que criou um selo de qualidade. O Selo Unicef atesta que as prefeituras avaliadas por um período de quatro anos conseguiram atingir resultados expressivos para aumentar o nível de imunização de crianças, reduzir a evasão escolar e diminuir os casos de violência contra crianças e adolescentes.

Para ganhar o Selo Unicef, o município precisa apresentar uma melhora em sete indicadores:

  • Percentual de crianças de 1 ano vacinadas com tríplice viral (D2) e tetra viral;
  • Percentual de alunos da rede pública do ensino fundamental que abandonaram a escola;
  • Percentual de escolas da rede municipal com acesso adequado à água e saneamento;
  • Percentual de adolescentes entre 15 e 17 anos que estão matriculados no ensino médio;
  • Percentual de nascidos vivos de gestantes com idade entre 10 e 19 anos;
  • Percentual de registros de casos de violações de direito contra crianças e adolescentes completos no portal Sipia;
  • Percentual de famílias cadastradas no Cadastro Único em acompanhamento pelo Paif no município.

O Selo Unicef começou em 1999 como um piloto no Ceará, em uma edição de dois anos (1999-2000), que se repetiu por mais duas vezes, até 2004. Em 2005 foi expandido para 11 estados do semiárido e teve mais duas edições bianuais, até 2008. Em 2009 foi novamente expandido, agora para a Amazônia Legal brasileira, e as edições passaram a durar quatro anos, após pedidos das prefeituras participantes.

A última edição do selo certificou 473 municípios de 18 estados. Na atual, que considera o ciclo entre os anos 2021 e 2024, 2.023 municípios de 18 estados confirmaram participação. As prefeituras certificadas serão conhecidas em 2025. Os municípios cearenses de Sobral e Horizonte conquistaram o selo nas sete edições. Eusébio ganhou em seis.

A EXAME esteve em Eusébio à convite do Unicef em uma visita de campo para apresentar iniciativas desenvolvidas no Ceará a lideranças corporativas e filantrópicas. Estiveram presentes executivos de grupos como Louis Vuitton, Santander, Fleury, Klabin, Aegea, J. Macedo, Fram Capital e M. Dias Branco.

Barueri do Ceará

As sucessivas conquistas do Selo Unicef por Eusébio contam com uma combinação de vontade política e recursos próprios do município. Armando de Paula, 72 anos, é assessor de articulação comunitária da Secretaria de Desenvolvimento Social da cidade e um dos responsáveis por coordenar as ações da prefeitura em busca da certificação do organismo internacional.

"Eusébio tem 74 mil habitantes e é a Barueri do Ceará. A cidade tem muitos condomínios de luxo e uma das maiores rendas per capitas do estado. Com isso, 38% da receita municipal é própria e ter dinheiro em caixa ajuda para tirar as açõe do papel para ganhar o selo", diz.

Outro fator importante é a vontade política. O prefeito, Acilon Gonçalves, é médico e está no quarto mandato. O começo do primeiro coincidiu com a primeira edição do Selo Unicef, que começou em 2005. Como o seu grupo político permaneceu no poder, a continuidade das ações coordenadas permitiu as sucessivas conquistas do selo.

Violência no Brasil é fonte de preocupação para Unicef

Mesmo com os avanços alcançados pelos municípios certificados com o Selo, o Brasil ainda sofre com a violência contra crianças e adolescentes, alerta a representante adjunta para programas do Unicef no Brasil, Paola Babos. Segundo ela, entre 2016 e 2020, 35 mil crianças e adolescentes de até 19 anos foram mortos de forma violenta no Brasil – uma média de 7 mil por ano.

"A violência contra a criança e o adolescente é negar o direito a uma vida e ao desenvolvimento do seu pleno potencial. A violência afeta toda a trajetória da criança na sua vida. Na infância, na juventude e vida adulta há impactos muito importantes. Hoje, nós sabemos que os dados sobre a violência no Brasil são bem alarmantes. São 35 mil jovens mortos em casos de homicídios violentos no país", diz.

Para enfrentar esse problema, afirma Paola, é necessário investir nas crianças, em espaços seguros nas escolas, nas competências familiares e na qualificação dos serviços. Segundo ela, toda comunidade precisa mudar para assegurar  espaços seguros para que as crianças possam se desenvolver e ir atrás dos seus sonhos.

"Em termos de violência, os dados no Brasil são muito preocupantes em relação a outros países. Mas também sabemos que a América Latina tem um problema de violência muito importante. O caminho é a oferta de oportunidades, com espaços seguros. Nesse sentido, temos avanços, mas precisamos avançar ainda mais nas escolas, para que nenhuma criança esteja fora da escola. Esse é o primeiro passo para isso. A Unicef trabalha na busca ativa escolar. É preciso investimento também na qualidade do ensino, em uma educação protetora. Isso ocorre quando a educação não é delegada apenas ao professor e sim a comunidade escolar como um todo", afirma.

Como doar para a Unicef

A Unicef estima que o selo impactou positivamente a vida de grande parte das 17 milhões de crianças e adolescentes que vivem nos 18 estados que têm municípios que participaram da certificação. Além disso, as cidades certificadas atingem resultados acima da média nacional.

Na edição passada, por exemplo, a média no Brasil de redução do percentual de estudantes com dois ou mais anos de atraso escolar (entre 2016 e 2019) foi de 10,7%, enquanto a média dos muncípios Selo Unicef foi de 15%.

O trabalho da Unicef é custeado com doações de pessoas físicas e empresas parceiras. Acesse os links e saiba como ajudar.

Acompanhe tudo sobre:EducaçãoSaúdeDesigualdade socialCearáONU

Mais de Brasil

STF rejeita recurso e mantém pena de Collor após condenação na Lava-Jato

O que abre e o que fecha em SP no feriado de 15 de novembro

Zema propõe privatizações da Cemig e Copasa e deve enfrentar resistência

Lula discute atentado com ministros; governo vê conexão com episódios iniciados na campanha de 2022