Área sem coleta de esgoto nos arredores de Brasília (Evaristo Sa/Getty Images)
Alessandra Azevedo
Publicado em 4 de maio de 2022 às 08h00.
Última atualização em 4 de maio de 2022 às 13h36.
Não é de hoje que o cenário do saneamento básico no Brasil é desafiador. Mais de 100 milhões de pessoas ainda não têm acesso à coleta de esgoto e 35 milhões não têm água tratada. As mulheres nessas condições, que sofrem com os efeitos da falta de saneamento na saúde, na renda e na educação, são foco de um estudo feito pela EX Ante Consultoria Econômica e pelo Instituto Trata Brasil, em parceria com a BRK Ambiental e com o apoio da Rede Brasil do Pacto Global.
O levantamento, divulgado nesta quarta-feira, 4, mostra que os números em relação a esse recorte da população são, além de alarmantes, crescentes. A quantidade de brasileiras sem acesso a água tratada aumentou de 15,2 milhões para 15,8 milhões entre 2016 e 2019. Segundo o estudo, 24,7 milhões não recebem água tratada diariamente.
Significa dizer que uma em cada quatro mulheres, no Brasil, não tem acesso a água tratada ou não recebe abastecimento com regularidade. A situação é pior nas regiões Norte e Nordeste, onde metade das mulheres não recebe água tratada. A falta de coleta de esgoto atinge ainda mais mulheres: 41,4 milhões. Um aumento expressivo em relação a 2016, quando eram 26,9 milhões.
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Ou seja, 38,2% das mulheres moram em casas sem coleta de esgoto. A pesquisa mostra que a desigualdade de gênero está presente em todos os estágios da vida da mulher, com reflexos na vida pessoal e profissional. Os impactos do saneamento precário são diretos na saúde e na renda dessa parte da população.
Segundo o estudo, 18,3 milhões de mulheres poderiam sair da condição de pobreza se tivessem água e esgoto tratados. O número de brasileiras vivendo abaixo da linha de pobreza passaria de 21,7 milhões para 3,4 milhões com o acesso universal ao saneamento.
A renda da mulher poderia aumentar em um terço ao garantir acesso regular à água, com banheiro e com coleta de esgoto. O problema afeta a economia de todo o país. Com o acesso das mulheres ao saneamento, 13,5 bilhões de reais seriam injetados na economia brasileira, mostra o levantamento.
Em 2016, 178 mil mulheres foram internadas por infecções gastrointestinais associadas à falta de saneamento. Em 2019, foram 141 mil internações pelo mesmo motivo. O acesso pleno ao saneamento, segundo o estudo, pode reduzir em 63,4% a incidência de doenças ginecológicas na população feminina com idade entre 12 e 55 anos.
“A ausência do saneamento básico é devastadora em todo o país", afirma a presidente executiva do Instituto Trata Brasil, Luana Siewert Pretto. "Quando olhamos com uma lupa o que acontece na vida das mulheres brasileiras, é mais preocupante ainda. A saúde da mulher é comprometida quando ela habita em áreas sem cobertura de saneamento básico e isso coloca em risco toda uma geração de estudantes e profissionais”, diz.
O estudo revela que 2,5 milhões de brasileiras não têm banheiro em casa, o que gera não só problemas de saúde, mas impactos na vida profissional e no desempenho na escola. Mulheres que vivem nessa situação recebem, em média, 66,7% a menos do que as que moram em casas com banheiro.
A média no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de mulheres que vivem em casas sem banheiro foi 53,1 pontos abaixo da média geral em 2019, e o atraso escolar de meninas que moram nessas residências chega a três anos. Além disso, mulheres nessas condições sofrem um impacto 64% maior na renda com a compra de absorventes e coletores menstruais.
Sem água tratada e coleta de esgoto, as mulheres ficam mais doentes e acabam precisando se afastar do trabalho e da escola. A falta de saneamento foi responsável por 80,6 milhões de casos de afastamento por doenças respiratórias e de veiculação hídrica em 2019. No total, são 8,8 bilhões de horas de afastamento, o que representa 81,7 horas por brasileira.
As mulheres tiveram cerca de 676 milhões de horas de estudo comprometidas com os afastamentos por doenças respiratórias e de veiculação hídrica. Não por acaso, crianças e jovens que moram em locais sem acesso a coleta de esgoto têm, em média, um atraso escolar 3,3% maior do que estudantes que moram em locais com coleta de esgoto.
O levantamento foi feito com base nas informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE (PNADC), da Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE e do Sistema Único de Saúde (DATASUS), considerando os dados de 2016 (base para o primeiro estudo) e 2019 (dados mais recentes do PNADC e do DATASUS).