mulheres costuram no ateliê de presidiárias, Daspre, em São Paulo (Valéria Bretas/Exame.com)
Valéria Bretas
Publicado em 14 de janeiro de 2016 às 15h31.
São Paulo - No centro da cidade de São Paulo, um pequeno salão recebe diariamente doze mulheres que trabalham na confecção artesanal de bolsas, caixas, móveis e brinquedos. É neste modesto galpão, decorado com mesas e máquinas de costura, que funciona a loja e ateliê “Do lado de lá”.
O que torna esse local diferente de qualquer outro ateliê é que, depois do expediente, todas as funcionárias retornam para as suas respectivas celas na prisão.
Vinculado à Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo, o bazar “Do lado de Lá” faz parte do projeto Daspre, que é gerido pela Fundação Professor Dr. Manoel Pedro Pimentel (FUNAP), instituição focada em programas de ressocialização de presidiários. Em 6 anos de operação, mais de 10,5 mil detentas já passaram pelo ateliê.
Só podem trabalhar no “Daspre-Do lado de lá” presidiárias em regime semiaberto. No Brasil, existem hoje 89 mil pessoas cumprindo esse tipo de pena - no entanto, apenas 20% delas estão inseridas no mercado de trabalho.
“O principal objetivo do projeto é socializar pessoas que não tiveram oportunidades na vida e acabaram praticando um crime que as levou ao cárcere”, diz Lúcia Casalli, diretora da FUNAP. “Estamos dando a eles, o que antes não lhes foi dado”.
Todos os dias, essas mulheres saem de sua unidade prisional pela manhã e utilizam o transporte público para chegar à sede da Fundação.
Mariza de Jesus, 65, trabalhava como enfermeira e atuou no tráfico de drogas durante 30 anos antes de ser presa. “Eu nunca tinha utilizado transporte público. Tudo o que eu precisava fazer, eu fazia de carro”, relata. “Quando me deparei com a minha atual situação eu tive que desapegar das besteiras e aprender a me virar. Eu tive que crescer”.
Em troca pelo dia de trabalho recebem uma remuneração equivalente a três quartos do salário mínimo, vale transporte, dinheiro para almoçar fora do ateliê, além do benefício da remição da pena, previsto pela lei brasileira de execução penal: cada três dias de trabalho rendem um dia a menos da condenação.
Muitas das mulheres que chegam ao Daspre nunca tinham colocado as mãos em uma agulha. As instruções sobre o trabalho são passadas por duas artesãs contratadas exclusivamente para ensiná-las.
“É uma delícia trabalhar aqui. Dá uma super paz que ajuda a esquecer um pouco da nossa realidade”, diz Elaine Cristina dos Santos, 35, presa por tráfico de drogas.
Quando chega a hora de voltar para “casa”, elas precisam atentar-se ao horário. Vigiadas 24h pelo sistema de monitoração eletrônica (um pequeno aparelho que envolve o tornozelo), as artesãs não podem mudar o caminho da rota e, muito menos, se atrasar.
“Quem não cumpre as regras perde o benefício de trabalhar na Daspre pode nunca mais voltar para o regime semiaberto”, descreve Daiane Maximiano da Silva, 26, presa por extorsão mediante sequestro.
Além do trabalho, Daiane utiliza a outra parte de seu tempo livre para estudar. Com autorização da Justiça, ela conseguiu aval para frequentar um cursinho pré-vestibular aos sábados.
“Quem passa por aqui aprende a ter disciplina e é incentivado a não voltar a praticar crimes. Você aprende a dar valor para as coisas”, diz.
No fim da tarde, enquanto a reportagem de EXAME.com acompanhava os afazeres das artesãs, uma delas obteve seu alvará de soltura - o que, imediatamente, a colocou em liberdade.
O momento de comoção fez as colegas abraçarem Blaldiomara Medeiros, que logo tirou o seu avental e, sob lágrimas de boa sorte, seguiu seu rumo.
A loja “Do Lado de Lá” fica na rua Dr. Vila Nova, 268, Vila Buarque, em São Paulo.
Esta reportagem faz parte da série Bastidores do Brasil.