Luana Araújo, ex-secretária do Ministério da Saúde, na CPI da Covid (Jefferson Rudy/Agência Senado)
Alessandra Azevedo
Publicado em 2 de junho de 2021 às 11h35.
Última atualização em 2 de junho de 2021 às 12h11.
Em depoimento à CPI da Covid, nesta quarta-feira, 2, a médica infectologista Luana Araújo, ex-secretária extraordinária de enfrentamento à covid-19 do Ministério da Saúde, classificou a discussão sobre tratamento precoce como “delirante, esdrúxula, anacrônica e contraproducente”.
Para Luana, "é como se a gente estivesse escolhendo de que borda da terra plana a gente vai pular”. Esse tipo de discussão, na opinião dela, "não tem lógica" e mostra que o país está "na vanguarda da estupidez mundial", por discutir "uma coisa que não tem cabimento".
"A gente precisa desenvolver soluções, estratégias claras, adaptadas ao nosso povo", continuou a ex-secretária. "Em vez de fazer isso, estamos aqui discutindo algo que é um ponto pacificado no mundo inteiro. Esse que é o perigo da nossa fragilidade e da nossa arrogância", acrescentou.
Luana disse que tratamento precoce não foi sequer um assunto discutido com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, nos 10 dias em que ela esteve na secretaria. O chefe da pasta, segundo ela, a recebeu bem e tinha uma postura técnica e proativa, assim como os poucos técnicos com quem teve contato.
Perguntada pelo relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), se Queiroga concorda com a visão dela sobre o tratamento precoce, Luana disse que "isso não foi nem uma discussão" durante o tempo em que esteve na pasta. "Nunca parei para sentar e discutir isso com o ministro. Nossa discussão é em outro nível", respondeu.
Luana negou ter sofrido qualquer tipo de resistência no ministério. "Tive contato direto apenas com o ministro e poucos secretários, e todos foram muito solícitos", disse. Perguntada se trouxe alguém de fora para trabalhar na secretaria, ela apontou dificuldades pela falta de vontade de bons especialistas.
A médica ressaltou que "temos cérebros incríveis no país", mas que não se interessam em ingressar no ministério. "Vocês acham que as pessoas que, de fato, têm vontade de mudar o país se sentem compelidas a aceitar o desafio? Não se sentem. Infelizmente, a gente está perdendo", disse.
Indicada por Queiroga em 12 de maio, Luana teve a nomeação cancelada 10 dias depois. Ao ser questionada sobre o motivo, ela disse que não teve nenhuma informação. "Eu também gostaria de saber. Honestamente, não me foi comunicada qual foi a razão pela qual minha nomeação não foi aprovada", afirmou.
Segundo Luana, Queiroga entrou em contato com ela e informou que o nome não teria sido aprovado. Nos dias anteriores, saíram na imprensa matérias que mostravam que ela tem posicionamentos diferentes dos que defende o presidente Jair Bolsonaro sobre assuntos como uso de cloroquina para covid-19.
Entre outros problemas, divergências com o presidente sobre esse assunto levaram à demissão dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. No caso de Luana, não ficou clara a relação. "O que eu sei é que houve essa confusão toda de imprensa, eu estava trabalhando e minha nomeação não saiu", disse Luana.
"Agora, quem pode esclarecer isso melhor não sou eu", disse a ex-secretária. "Simplesmente fui comunicada de que, infelizmente, essa nomeação não sairia. Agradeci, peguei minhas coisas e voltei pra Belo Horizonte", contou.
Luana afirmou que sofre ameaças pelo posicionamento científico desde o começo da pandemia, assim como outros infectologistas. "De 'não saiam de casa' a 'tomara que você e sua mãe morram'", contou. Para ela, essas manifestações são "extremamente lamentáveis", principalmente pela "perda da oportunidade de educação".
Luana contou que desenvolveu um site para explicar à população, de forma clara, questões científicas sobre a pandemia. "Explicar qual é a diferença de um vírus e uma bactéria, por exemplo. Elas [as pessoas] começam a entender por que não existe papel de uso de antibiótico para tratamento de infecção viral", disse.