Desastre fez surgir a primeira associação de familiares de vítimas de acidentes aéreos do país (Eduardo Albarello/Veja)
Da Redação
Publicado em 31 de outubro de 2011 às 08h54.
São Paulo - Há exatos 15 anos, um Fokker 100 da companhia aérea TAM caía em uma rua do Jabaquara, na zona sul. Além de matar 99 pessoas e deixar um rastro de destruição, o acidente com o voo 402 abriu, da pior maneira possível, série de precedentes que mudaria totalmente os parâmetros judiciais para indenização de parentes. Também fez surgir a primeira associação de familiares de vítimas de acidentes aéreos do país.
"Quando houve o acidente com o Fokker 100, algumas famílias procuraram até advogados americanos. Ninguém sabia direito como tratar", conta a advogada Regina Prado Manssur, que conseguiu judicialmente que as indenizações pelo acidente entrassem na abrangência do Código de Defesa do Consumidor, criado seis anos antes do acidente. "Um fato triste que foi um ganho para a Justiça brasileira."
Na época, o valor do seguro obrigatório que a companhia aérea tinha de pagar para familiares de vítimas em casos como esse era de R$ 14 mil - nos Estados Unidos, o valor é de U$ 120 mil; na Europa, de 130 mil. Em 2009, a Associação Brasileira de Parentes e Amigos de Vítimas de Acidentes Aéreos (Abrapava) conseguiu na Justiça aumentar o seguro para R$ 41 mil.
Foi uma das primeiras conquistas da associação criada pela secretária executiva Sandra Assali, que naquela manhã de 31 de outubro de 1996 começou o dia deixando o marido no Aeroporto de Congonhas para uma viagem de trabalho. José Abu Assali foi uma das vítimas do Fokker 100 que decolou com destino ao Rio, mas, minutos depois da decolagem, caiu na Rua Luís Orsini de Castro.
Em meio ao sofrimento, Sandra resolveu engajar-se. Montou a Abrapava, primeira associação do gênero no Brasil, que acabou servindo de referência a outras que surgiriam após a sucessão de acidentes aéreos no País: Associação dos Familiares das Vítimas do Voo Gol 1907 (em 2006), Associação dos Familiares e Amigos das Vítimas do Voo TAM 3054 (em 2007), Associação dos Familiares das Vítimas do Voo 447 (2009).
Famílias que sofreram as dores do mesmo acidente que ela, o de 1996, se dispersaram. Mas Sandra acabou se aproximando de outras que apareceram. Foi para Manaus quando houve o acidente da Gol, esteve em Congonhas no segundo acidente da TAM e viajou para a França depois que famílias de lá ligaram pedindo ajuda na tragédia da Air France.
"É muito sazonal. Às vezes estou em contato com 300 famílias, às vezes com 50. A verdade é que depois que a coisa é resolvida muita gente não quer mais ouvir falar do assunto", conta. Sandra tem "fixas" na associação mais quatro famílias de vítimas de acidentes diferentes e mantém "correspondentes" em cidades como Curitiba, Porto Alegre, Brasília e Rio. "Quando tem acidente, por menor que seja, a gente se coloca à disposição para atender."
Moradora de Moema - com vista para o Aeroporto de Congonhas da varanda -, ela é mãe de dois filhos, de 19 e 22 anos. "Na época (do acidente com o marido), o mais velho, com 7 anos, sofreu muito. A mais nova só foi entender anos depois." Sandra chegou a abrir um brechó depois da tragédia, mas parou quando começou a viajar muito por causa da associação - deu palestra até em Washington.
Cenário da tragédia - A cerca de 2 km de Congonhas, a Luís Orsini de Castro - onde três moradores morreram - continua sendo rota dos 34 aviões que seguem a cada hora rumo a Congonhas entre 7h e 23h, todos os dias. E voam "baixo demais", nas palavras de Lourival Silva Santos, de 54 anos. Se bem que isso não preocupa o dono do bar na rua. "Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Nem avião, né?", brinca.
Poucos vizinhos da época do acidente com o Fokker 100 ainda vivem por ali. Mas, no único mercadinho da rua, Regina Aparecida Paulino, de 58 anos, mostra uma foto do dia fatídico. É do pai dela, Madu Paulino, já falecido, na época dono de uma oficina que funcionava onde hoje é o mercadinho.
A foto mostra Madu olhando para carros carbonizados pelo fogo que tomou a rua. "Eu não morava aqui, mas vim ajudar as pessoas, levar para o hospital", conta Regina, enfermeira aposentada. Seu filho, Renato Paulino, à época com 18 anos, estava na rua na hora do acidente. "Só lembro de um rastro enorme de combustível que o avião foi soltando antes de cair. Ficou tudo preto", conta. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.