TORQUATO JARDIM, MINISTRO DA JUSTIÇA: “comandantes de batalhão são sócios do crime organizado no Rio” / Marcelo Camargo/ Agência Brasil (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Gian Kojikovski
Publicado em 1 de novembro de 2017 às 19h08.
Última atualização em 6 de novembro de 2017 às 11h42.
O ministro da Justiça, Torquato Jardim, reviveu nesta semana, com certas adaptações, o clássico filme O Homem Que Sabia Demais, dirigido por Alfred Hitchcock, em 1934. Jardim virou, na visão de analistas ouvidos por EXAME, o Ministro que Falou Demais.
Em vez de ficar sabendo sem querer de um assassinato, como na história do filme, o ministro falou sem papas na língua sobre o ambiente que cerca vários deles. Mais precisamente, sobre a onda de violência no Rio de Janeiro.
Na terça-feira ele disse ao blog do jornalista Josias de Souza, do UOL, que o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, e o secretário de estado da Segurança Pública, Roberto Sá, não têm controle sobre a Polícia Militar do estado – que, diga-se, passa por uma interminável crise na área de segurança.
Mais: ele afirmou que “comandantes de batalhão são sócios do crime organizado no Rio” e que o comando da PM decorre de acertos entre um deputado estadual e o crime organizado. Para completar, disse que a situação só tem chance de melhorar com a troca de governo.
As reações dos atingidos pelas declarações foram imediatas, e variaram da surpresa à fúria. Jorge Picciani, presidente da Assembleia Legislativa e o deputado estadual com mais poder no estado, disse que o ministro “mente”, é “irresponsável” e “age com má-fé”.
Roberto Sá se disse indignado. O presidente da Câmara dos Deputados, o carioca Rodrigo Maia (DEM), se disse perplexo e na espera de provas vindas de Torquato.
Pezão afirmou que não negocia com criminosos e que vai interpelar judicialmente Jardim esperando que ele prove as acusações.
Nos bastidores, analistas e assessores próximos à cúpula do poder em Brasília dizem que Jardim, se não foi sutil, tampouco está errado.
O descontentamento com a área de segurança pública do Rio de Janeiro é geral entre os ministros que tratam do assunto – além da Justiça, o problema também esbarra na pasta da Defesa, que enviou forças armadas para o estado e é comandada por Raul Jungmann, e no gabinete de Segurança Institucional, chefiado pelo general Sérgio Etchegoyen.
A avaliação comum é que sobram erros e vazamentos nas operações conjuntas feitas entre o Exército e a Polícia Militar do estado.
“Nós já tivemos conversas — ora eu sozinho, ora com o Raul Jungmann e o Sérgio Etchegoyen —, conversas duríssimas com o secretário de Segurança do Estado e com governador. Não tem comando”, disse Jardim na entrevista ao UOL.
Mais a fundo, na lógica de Jardim – compartilhada por políticos e diversos especialistas em segurança pública e no estado – dificilmente o crime tomaria a proporção que tomou no estado sem o apoio de políticos eleitos pelo voto.
“Voltamos à Tropa de Elite 1 e 2”, disse o ministro em entrevista ao jornal O Globo nesta quarta. A ideia da nova entrevista era apaziguar os ânimos, mas a situação só fez piorar.
Até quem costuma tratar dos mesmos temas levantados pelo ministro diz que suas falas foram intempestivas.
“O que ele fala não é novidade. Dizer que existe propina entre tráfico, polícia e política não é novidade. Dizer que existe arrego não é novidade. O que ele diz está no meu relatório da CPI das milícias e o que eles fizeram desde então? Eu entreguei nas mãos do ministro da Justiça da época e dos presidentes da Câmara e do Senado. Ele é um ministro da Justiça, não é um comentarista”, diz o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ).
Ele foi responsável pela CPI da Milícias, em 2008, que terminou com 226 indiciados e levou a prisão de diversos políticos, incluindo um deputado estadual, e também serviu de inspiração para o roteiro dos filmes Tropa de Elite 1 e 2.
Jardim questionou inclusive a morte do comandante do 3º Batalhão de Polícia Militar, no bairro do Méier, coronel Luiz Gustavo Teixeira, que foi atingido por 17 disparos durante o que a PM do estado afirmou ser uma tentativa de assalto, no dia 26.
“Ninguém assalta dando dezenas de tiros em cima de um coronel à paisana [em verdade, o oficial da PM estava fardado], num carro descaracterizado”, disse.
Nas entrelinhas, o ministro deu a entender que o que ocorreu foi um assassinato. Ele pode ter informações extras sobre o assunto, mas também pode ter falado demais para alguém que ocupa seu cargo.
Afinal, se não vai conseguir derrubar o governo do Rio nem o comando da Polícia Militar no Estado, onde Jardim quer chegar?
“Ele é meio destemperado. Não calculou direito o que estava dizendo”, diz um analista político que circula pelos gabinetes de Brasília e conhece bem Jardim.
“Agora, todas as alternativas na mesa são ruins. Se ele provar o que disse, aprofunda muito a crise no Rio de Janeiro colocando a PM em descrédito. Se não provar, teremos um ministro da Justiça extremamente enfraquecido no momento que ele é mais demandado na área de segurança pública”, disse.
“É uma opinião movida por jornais e filmes e menos por investigação. Ele certamente não imaginava a repercussão que isso teria, mas é no mínimo infantil, no momento da maior crise de segurança do Rio de Janeiro, achar que isso não ia ter essa repercussão”, diz Freixo.
“Agora, ele também comete o erro da generalização. Vai dizer que toda a polícia é isso? Não é. Dizer que deputado – e ele falou no singular – comanda? Tem que dizer quem é o deputado.”
Outro analista avalia que o momento do Rio é tão delicado e as declarações dadas sem maiores esclarecimentos fizeram uma espuma política tão grande que, mesmo que Jardim tenha todos os indicativos de que existe conluio entre a cúpula da PM e o crime organizado, a hora é de baixar o tom para não piorar a delicada situação carioca, que além da crise de segurança, também está afundado em uma debacle financeira.
Foi isso que o ministro tentou fazer na entrevista concedida ao jornal O Globo na manhã desta quarta-feira. Mas acabou agravando a situação.
Ele não só reiterou as declarações como disse que quem tem que provar que ele está errado são as autoridades fluminenses.
Além de tocar na ferida da política carioca, Jardim complicou a vida do chefe, o presidente Michel Temer. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que já estava tendo embates frequentes com o Planalto cobrou Temer a sair do silêncio. Para ele, evitar dar declarações sobre o assunto deve agravar a crise.
“Se há informação de que o governador não manda mais, que o secretário não manda mais, e que os bandidos estão comandando os batalhões, é preciso tomar uma providência. Ou o governo não sabe o que está falando, ou vai ter que intervir”, disse Maia em entrevista ao jornal O Globo.
Com os problemas da segurança carioca escancarados mais uma vez, passou-se a questionar novamente a possibilidade de uma intervenção estadual no Rio de Janeiro, algo que já estava fora de pauta há algum tempo. Para Maia, o governo federal não tem condições nem políticas, nem fiscais para tanto.
Assim, o fim da crise, como sempre, é imprevisível. Mas o caminho mais curto pode ser um pedido de desculpas. “Abrir a crise foi um erro.
O ministro foi inábil e vai acabar tendo que voltar atrás para evitar maiores problemas”, diz um analista político de Brasília. “Mas o governo colocou ele lá quando precisava de respostas às acusações do Ministério Público justamente pelo seu temperamento forte. Agora, tem que aguentar”.