Queimada na Amazônia (Ricardo Funari/Reuters)
Vanessa Barbosa
Publicado em 23 de agosto de 2019 às 10h31.
Última atualização em 23 de agosto de 2019 às 10h31.
O biólogo americano Thomas Lovejoy passou mais de 50 anos da sua vida estudando a Amazônia e hoje teme que a região possa estar chegando perto do chamado "turning point" (ponto de inflexão), do qual talvez não consiga mais se recuperar nem manter seus serviços ecossistêmicos. Testemunha das muitas transformações que a região sofreu neste período, ele alerta que a situação atual é a "antítese da sustentabilidade".
A Amazônia sempre sofreu com queimadas no período seco, mas neste ano estamos batendo o recorde de focos de incêndio dos últimos sete anos. Há motivo de preocupação?
As queimadas puderam ser vistas do espaço. Considerando a escala de fogo e da fumaça, é uma das duas únicas ocasiões em que houve incêndios como estes. A outra vez foi em 1987, um ano do El Niño e muito seco, quando os incêndios produziram uma nuvem de fumaça tão grande quanto o Brasil pairando sobre a América do Sul. Em termos de desmatamento, certamente a metade da primeira década deste século foi bastante ruim, mas depois o desmatamento foi drasticamente reduzido por ações e políticas do governo (entre 2005 e 2012, a taxa de desmatamento da Amazônia caiu cerca de 80%).
Qual é a diferença do momento atual?
Desta vez, trata-se de uma consequência da redução drástica no comando e no controle combinada com o incentivo dos líderes do governo.
De que maneira isso é um risco para o futuro da Amazônia?
O problema é que a Amazônia não pode continuar absorvendo isso sem ultrapassar um ponto de inflexão em que a combinação de desmatamento extensivo, abuso de fogo e mudança climática prejudique o ciclo hidrológico. Com isso, o sul e o leste da região, além de uma parte da Amazônia central, podem se converter em savana, se não em caatinga. As recentes secas sem precedentes, de 2005, 2010 e 2015/16 são as primeiras oscilações desse ponto de inflexão.
Qual é o impacto da mudança?
Além do que isso representa em termos de perda de biodiversidade e liberação de carbono - e todo o significado que isso tem em termos de bem-estar para aqueles que vivem na Amazônia -, também significa menos chuvas e temperaturas mais altas para a agricultura no Brasil central. É a antítese da sustentabilidade. A fumaça que chegou a São Paulo deve ser vista como uma mensagem de que é hora de parar as práticas destrutivas atuais e retornar ao manejo sustentável e à proteção da grande floresta.
O risco da Amazônia virar savana foi apontado por Lovejoy em um artigo publicado há mais de 20 anos junto com o cientistas brasileiro Carlos Nobre. Em entrevista ao site EXAME, Nobre explica que o ponto limítrofe poderá ser atingido quando o desmatamento alcançar de 20% a 25% da bacia amazônica. "Atualmente, a perda de floresta está na casa dos 15 a 17%. Com as taxas atuais de desmatamento, nós estamos falando em cerca de 30 anos até a floresta se desestabilizar e buscar num novo estado de equilíbrio, com parte de seu território virando uma savana empobrecida", disse o cientista e ex-pesquisador do Inpe.
Confira a entrevista na íntegra abaixo: