Bolsonaro: presidente já foi citado outra vez pela publicação (Ueslei Marcelino/Reuters)
Tamires Vitorio
Publicado em 7 de maio de 2020 às 19h32.
Última atualização em 8 de maio de 2020 às 13h07.
Para a The Lancet, uma das revistas científicas mais prestigiadas do mundo, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido) é a maior ameaça ao combate à covid-19 no Brasil.
Na noite desta quinta-feira (7), o país atingiu 9 mil mortos e outros 135.106 infectados pela doença.
No editorial da próxima edição, que será publicada no dia 9 de maio, com o título "Covid-19 in Brazil: so what?", a publicação repercute a frase de Bolsonaro na semana passada, quando ao ser perguntado sobre o número recorde de mortes em 24 horas no país, afirmou: "E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre".
"Bolsonaro não só continua a semear a confusão ao desencorajar as medidas sensatas de distanciamento social e lockdown tomadas por governadores e prefeitos, mas também perdeu dois importantes e influentes ministros nas últimas três semanas", diz o editorial.
A The Lancet define Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde, como "respeitado e querido" e Sergio Moro, ex-ministro da Justiça, como "uma das figuras mais poderosas do governo".
Para a publicação, "tantos problemas no coração da administração é uma distração mortal no meio de uma emergência de saúde pública" e "um sinal de que a liderança do Brasil perdeu seu compasso moral, se é que já teve um", completa.
O editorial começa falando sobre a América Latina ter sido um dos últimos continentes a sofrerem com a pandemia do coronavírus. Em seguida, cita um estudo da Imperial College apontando que o Brasil tem a maior taxa de transmissão entre 48 países e define a subnotificação dos casos como "preocupante".
"Ainda assim, talvez a maior ameaça ao combate à covid-19 no Brasil seja o próprio presidente do país, Jair Bolsonaro", escreve a Lancet.
Apesar disso, a revista aponta que o combate teria sido complicado mesmo sem a atuação contraproducente de Bolsonaro. "Quase 13 milhões de brasileiros moram em favelas com mais de três pessoas por cômodo, e pouco acesso à água limpa. As recomendações de distância física e higiene se tornam quase impossíveis nesses ambientes", diz.
A revista elogia iniciativas de organizações científicas brasileiras contra as decisões do presidente, assim como a carta aberta do fotojornalista Sebastião Salgado pedindo proteção às populações indígenas brasileiroas, lembrando que elas já estavam sob ameaça da mineração e do desmatamento antes mesmo da pandemia e que agora o risco é que mineradores e exploradores levem a doença.
Por outro lado, a revista vê motivos para esperança em pesquisas e na fabricação de respiradores, e kits de testes, por exemplo. "Ainda assim, a liderança no alto nível do governo é crucial em advertir rapidamente o pior resultado dessa pandemia, como é evidente em outros países", finaliza o texto.
Bolsonaro tem pressionado por uma reabertura da economia sem apresentar uma estratégia clara para contenção de casos. A Nova Zelândia, por exemplo, só anunciou medidas para aliviar a quarentena depois de ter praticamente eliminado a transmissão comunitária.
Lugares que afrouxaram o isolamento social antes de controlar a doença, como é o caso de Santa Catarina e da Flórida, viram os números de casos subirem rapidamente.
Em agosto do ano passado, em meio ao aumento das queimadas na Amazônia, a The Lancet publicou um editorial com o título "Bolsonaro ameaça a sobrevivência da população Indígena no Brasil", no qual afirmou que "a presidência de Bolsonaro representa a ameaça mais séria para a população Indígena Brasileira desde a Constituição de 1988".