Trabalhadores sem terra, que participam do 6º Congresso Nacional do MST, fazem manifestação em favor da reforma agrária, em Brasília (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil/Agência Brasil)
Agência Brasil
Publicado em 9 de setembro de 2017 às 15h53.
O Tribunal de Contas da União (TCU) revogou, nesta semana, uma medida cautelar de abril de 2016, do próprio órgão que obrigava o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a suspender os processos de seleção de candidatos ao Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) e de assentamento de beneficiários já selecionados. A decisão saiu na última quarta-feira (6), mas só foi divulgada ontem (8).
Em abril de 2016, o tribunal determinou o bloqueio liminar (provisório) dos beneficiários do programa cujos cadastros apresentavam indícios de irregularidades. A suspensão vigorou enquanto as suspeitas eram apuradas.
Entre os indícios inicialmente apontados por técnicos da Secretaria de Controle Externo da Agricultura e do Meio Ambiente do TCU, estavam a existência de pessoas que trabalham em órgãos públicos, como prefeituras; empresários e até titulares de mandatos eletivos, além de pessoas que possuem terras com tamanho acima do permitido. Se confirmadas, as irregularidades trariam prejuízo de R$ 2,83 bilhões.
Em seu voto, o ministro-relator do processo, Augusto Sherman Cavalcanti, citou que, há pelo menos 20 anos, o TCU vem combatendo "desvios de finalidades" na execução da Política Nacional de Reforma Agrária. E que, embora o Incra venha implementando medidas positivas neste sentido, "o horizonte de resolução dos problemas é longo".
Para o ministro, a complexidade das apurações e o fato de que o Incra tornou mais rígido o credenciamento dos beneficiários permitiram ao ministro fixar um prazo para a apuração das irregularidades em vez de manter integralmente os bloqueios. "Em vez da manutenção integral dos bloqueios, entendo mais adequado fixar um limite de três anos para a apuração de todos os indícios de irregularidades apontados e ainda remanescentes de verificação por parte da autarquia, [que deve apresentar] a esta corte plano definitivo de apuração de todos os indícios, contemplando referido prazo máximo de apuração", ponderou o ministro no voto.
Segundo, Cavalcanti, se confirmada a irregularidade, o Incra deverá vedar o acesso ao programa e, se for o caso, pedir que os beneficiários restituam os valores recebidos indevidamente. Os suspeitos teriam direito a ampla defesa. Procurado, o Incra se limitou a informar que ainda não foi oficialmente notificado e que vai aguardar a publicação do acórdão para se manifestar.
Em abril de 2016, a interrupção liminar dos processos de seleção de candidatos ao PNRA e a suspensão do assentamento de beneficiários já selecionados chegou a afetar cerca de 500 mil famílias, segundo estimativa do próprio Incra. Entre outras coisas, os produtores já assentados ficaram impedidos de obter a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) - documento necessário para acessar políticas públicas de crédito, assistência técnica e demais ações desenvolvidas pelo Incra.
O presidente do instituto, Leonardo Góes, chegou a declarar, em setembro de 2016, que, desde que assumira o cargo, quatro meses antes, o Incra estava "paralisado" pela decisão que, segundo ele, colocava em risco a subsistência de milhares de assentados. No mesmo mês, após o Incra apresentar documentos para mostrar que boa parte das suspeitas não passava de inconsistências nos cadastros e se comprometer a resolver eventuais ilegalidades, o TCU suspendeu parte da primeira decisão liminar. A decisão permitiu ao instituto retomar as ações do PNRA e voltar a atender a aproximadamente 400 mil das 500 mil famílias que tiveram o processo paralisado.
Ao suspender parcialmente o bloqueio ao programa, o TCU concordou que muitas das suspeitas iniciais tinham sido geradas por "falhas nos cadastros e banco de dados do Incra e não necessariamente pela ação de agricultores". Na ocasião, o Incra comprometeu-se a implementar um plano de providências a ser cumprido pelas superintendências regionais.
Com a revogação integral do bloqueio, aprovada na última quarta-feira, o Incra poderá voltar a atender também às cerca de 100 mil famílias restantes não contempladas na primeira decisão. Somente nos casos em que a autarquia tiver comprovado a irregularidade, os processos continuarão suspensos.
Nos próximos assentamentos de famílias já selecionadas e nos novos processos, o Incra cumprirá os critérios da Lei 13.465, que entrou em vigor em julho e segue recomendações do TCU que tornam mais rígidos os processos de reforma agrária e de regularização fundiária.
Antes de o TCU revogar a suspensão dos processos de reforma agrária, no último dia 31, a Procuradoria-Geral da República (PGR) tinha recorrido ao Supremo Tribunal Federal (STF). Na ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, classificou a situação como total "paralisação da reforma agrária no país".
Para Janot, eventuais irregularidades no programa devem ser apuradas e devidamente sanadas, mas a constituição de meros indícios não deveria permitir a descontinuidade da política pública de reforma agrária. Segundo ele, a paralisação das ações do PNRA violava preceitos fundamentais da Constituição Federal, como o da dignidade humana, a construção de sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza e a redução de desigualdades; a proporcionalidade; o direito ao contraditório e à ampla defesa, além do direito à moradia.
O procurador-geral da República também apontou a violação dos artigos constitucionais que estabelecem as diretrizes da reforma agrária. Distribuída no Supremo antes que o próprio TCU decidisse revogar a medida cautelar, a ADPF 478 seria relatada pelo ministro Alexandre de Moraes.