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Taxação de importados: a volta dos que não foram

OPINIÃO | Aparentemente não sobrevivemos a mais uma crise de comunicação que poderia ter sido um simples e-mail orientando um endurecimento na fiscalização

Servidor da Receita Federal: volume de encomendas estimado para 2023 está em 200 milhões de pacotes. Há como fiscalizar? (Reprodução/Reprodução)

Servidor da Receita Federal: volume de encomendas estimado para 2023 está em 200 milhões de pacotes. Há como fiscalizar? (Reprodução/Reprodução)

Maria Carolina Gontijo
Maria Carolina Gontijo

Diretora de tributos da Moore Brasil

Publicado em 20 de abril de 2023 às 16h27.

Última atualização em 20 de abril de 2023 às 16h54.

Nesta semana o governo apresentou o texto base do novo arcabouço fiscal, o nome bonito para o conjunto de regras que tem como objetivo tentar manter “controlável” a relação entre gastos e arrecadação pública. Não é diferente do que acontece em nossa própria casa: gastos desenfreados sem a respectiva fonte de receita não costuma dar em coisa boa.

E ainda que o texto apresentado até o momento não tenha exatamente a descrição detalhada do “como fazer”, pelo menos na parte da arrecadação, uma certeza todos nós temos: sem diminuir gastos, será necessário aumentar a arrecadação. Sim, eu sei que parece muito a coluna da quinzena anterior, mas aparentemente estamos condenados a viver o mesmo dia, tal qual o personagem Phil de "Feitiço do Tempo" e seu dia da marmota.

Leia mais: Tributação de ICMS e subvenções: achou confuso? Junte-se ao clube

Taxação de encomendas importadas

Mantendo a proeza de criar uma confusão tributária por semana, a última – e maior delas – teve seu impacto seriamente subestimado pelo governo. A reação negativa da sociedade à possibilidade de tributação de toda e qualquer importação realizada por pessoas físicas virou pauta de indignação em lugares tão diversos quanto pontos de ônibus a reuniões de negócios, tudo devidamente amplificado pelas redes sociais.

O mais curioso? A venda realizada por pessoas jurídicas a pessoas físicas no Brasil jamais teve isenção nenhuma. A tão falada regra dos US$ 50 na realidade trata-se de uma isenção prevista para encomendas enviadas de pessoa física para pessoa física, via correios. A famosa “lembrancinha”. Sempre foi assim. O que foi vendido como uma novidade terrível, na verdade sempre foi uma realidade “quase possível”.

Veja também: Taxação Shein: governo mantém isenção de até US$ 50 em encomendas do exterior

Mas por que “quase possível”? Porque apesar da possibilidade de tributação, o volume de encomendas estimado para 2023 está em 200 milhões de pacotes. Tal como está desenhada nossa fiscalização atual, é humanamente impossível conseguir verificar a condição de cada um deles: se há fraude em relação ao remetente, ao valor, ao conteúdo etc. Seria uma análise minuciosa que certamente comprometeria todo o fluxo de entrada de encomendas no país. Traduzindo? Aquele “quase possível” vira “por amostragem”. Alguns pacotinhos são sorteados, fiscalizados e, quando aplicável, tributados.

Para resolver esse problema, a ideia apresentada pelo Ministério da Fazenda passou por revogar toda e qualquer isenção do imposto de importação e pagamento prévio da “módica” alíquota de 60% sobre a compra. Mais ICMS. Uma tributação que poderia alcançar facilmente os 100%.

A reação da sociedade foi imediata – e barulhenta. Mesmo com toda ginástica argumentativa, incluindo a pérola “a tributação será para as empresas e não para pessoas”, nada aplacou os ânimos. No dia 19 de abril, e agora é bastante prudente comentar notícias tributárias deixando bem clara a data, restou ao governo o recuo. Uma espécie de “a volta dos que não foram”. Restaria mantida a isenção dos US$ 50 quando do envio de pessoa física para pessoa física, nada mudaria em relação à venda de pessoas jurídicas para pessoas físicas. Se a razão para a revolta era confusa, já que a tributação sempre existiu, a razão para o alívio se mostrava igualmente ilógico: a tributação continuaria existindo.

Se a razão para a revolta era confusa, já que a tributação sempre existiu, a razão para o alívio se mostrava igualmente ilógico: a tributação continuaria existindo.

Mas e quanto à arrecadação estimada com a tributação das importações? Bom. Sabe aquela frase que a gente sempre ouvia quando era criança, a tal “dinheiro não nasce em árvore”? O problema continua existindo e o dinheirinho continua sendo necessário.

Então o ministro da Fazenda adiantou a possibilidade de criação de um 'digital tax', sim, usando o mesmo nome que queriam dar para a CPMF 2.0 em um passado recente – mas não sabemos (ainda) se é o mesmo caso. Supostamente o governo criaria um novo tributo que incidiria sobre as importações simplificadas de pessoa física, mas, reforçando a declaração mais involuntariamente cômica deste ano, seria um tributo para as empresas, “sem repassar para o consumidor nenhum custo adicional”. Eu sei, eu sei.

Assim como aquela mudança inicial, ninguém jamais chegou perto dos detalhes de como isto poderia ser operacionalizado. Por exemplo, ninguém sabe realmente como o governo pretende fazer com que milhares de varejistas internacionais, sem representação no país, recolham um 'digital tax' por um sistema de declaração eletrônico. Um sistema que se comunicaria com a própria receita federal. E os correios. Audacioso.

Esta é a segunda versão da coluna que escrevo sobre o mesmo tema em menos de 24 horas. E sei do risco que corro de vê-la envelhecer tão bem quanto leite não pasteurizado no asfalto sob o sol do meio dia. Na primeira versão da coluna, ainda apenas com a informação do recuo do governo sobre a tributação das importações, eu escrevi que havíamos sobrevivido a mais uma crise de comunicação que poderia ter sido um e-mail. Pois então. Aparentemente ainda não sobrevivemos.

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