Tarso Genro: o gaúcho foi ministro no governo Lula entre 2004 e 2010 (Camila Domingues/Palácio Piratini/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 1 de junho de 2014 às 10h07.
O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), disse que a corrida pela Presidência será polarizada entre PT e PSDB, sem espaço para uma terceira força política representada pelo PSB de Eduardo Campos. "Acho que no Brasil isso ficou bem demarcado a partir do governo Lula", avaliou, em entrevista exclusiva ao Broadcast Político e o jornal O Estado de São Paulo.
A chapa de Tarso, que tentará a reeleição, deverá ser lançada oficialmente na próxima semana com a presença do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff. Segundo as pesquisas de intenção de voto, a principal oponente do petista na disputa será a jornalista e senadora Ana Amélia Lemos (PP), que formou aliança com o PSDB no Estado e, portanto, dará palanque a Aécio Neves.
Tarso afirmou que a oposição terá dificuldade para sustentar o discurso de choque de gestão e enxugamento da máquina pública, tanto na eleição estadual como na nacional. "Vamos desafiar os adversários para que falem publicamente que vão reduzir gastos sociais. Eles querem cortar, mas não terão coragem de dizer", disse.
O gaúcho, que foi ministro no governo Lula entre 2004 e 2010, exaltou a liderança do ex-presidente Lula na política, mas afirmou que o PT precisa passar por uma reestruturação se não quiser que a militância de esquerda venha a se fragmentar no Brasil. "O PT tem o risco de se tornar um partido de esquerda tradicional, o que seria um desfavor para a sociedade brasileira." Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
O senhor vai enfrentar nas urnas PMDB, PP e PDT, partidos que são da base aliada da presidente Dilma Rousseff, mas apoiam outros candidatos no Rio Grande do Sul. O que acha do cenário atual de alianças no Brasil?
É uma deficiência estrutural do nosso sistema político, um sinal de atraso. O correto é que os Estados meçam sua visão de progresso a partir de uma ótica nacional e não procurem subordinar o seu desenvolvimento a interesses puramente localistas. A integração que fizemos com a União (no governo Dilma) rompeu com essa tradição no Estado. Mas o debate eleitoral e ideológico no Rio Grande do Sul sempre foi muito marcado entre esquerda, centro e direita. Por isso, as alianças nacionais não funcionam aqui. Para nós não há estranhamento no fato de o PMDB local, por exemplo, não apoiar a nossa candidatura nem a da Dilma. Aqui, ao invés de se tornar um partido centro-progressista, o PMDB foi para a centro-direita, cobriu a inexistência do PSDB.
Uma parte do debate eleitoral no Rio Grande do Sul deve girar em torno do gasto público. Como o senhor pretende se defender das críticas de um suposto descontrole das finanças do Estado?
Não há descontrole das finanças, o que há é um controle para sair de uma crise herdada. O avanço que fizemos nos permite desenhar uma sustentabilidade para os próximos dois anos. Com a aprovação (no Senado) do projeto de lei de mudança do indexador da dívida de Estados e municípios, que ocorrerá em novembro, os Estados terão que apresentar uma política financeira de transição para chegar a 2027 com uma situação mais sadia. Estamos fazendo isso. Também é preciso dizer que os gastos que aumentamos são gastos sociais. Vamos desafiar os adversários para que falem publicamente que vão reduzir esses gastos sociais. Eles querem cortar, mas não terão coragem de dizer.
A senadora Ana Amélia tem falado muito da redução da máquina pública.
Este é o discurso do Aécio Neves, repetido pela Ana Amélia, que é uma figura respeitável, mas que nunca foi gestora e não conhece a estrutura do Estado, não conhece nem o Rio Grande do Sul. Ela sempre foi mais ligada ao agronegócio e à televisão, onde a pessoa pode dizer tudo sem receber resposta. Ela está completamente equivocada sobre o que é o nosso Estado, o que é sua estrutura produtiva e quais são os problemas que um governante enfrenta.
Esse também vai ser um debate no nível nacional, entre o senador Aécio e a presidente Dilma. O senhor vê lugar para uma terceira via, representada pelo PSB de Eduardo Campos?
Acho difícil, porque esse não é um debate nacional, mas sim mundial. E na raiz dessa discussão está a seguinte questão: como você recebe a globalização no território, nas finanças públicas e nas instituições? De uma forma passiva ou adequando-se de maneira virtuosa aos interesses do Estado? Com mais ou menos chantilly, esse é o grande debate mundial. Quando Aécio e Ana Amélia falam em choque de gestão, a população sabe o que significa: menos políticas sociais, compromisso primário com a globalização exigida pelo capital financeiro e ausência de iniciativas para atrair investimentos que dinamizem a base produtiva local.
É nesse contexto que o senhor acredita que não haveria espaço hoje para o PSB?
Sim, acho que no Brasil isso ficou bem polarizado e demarcado a partir do governo Lula. Entendo que, na questão nacional, haverá uma nova agenda para o próximo presidente ou presidenta: reestruturação da federação, que está totalmente deformada; saúde nas grandes regiões metropolitanas; transporte coletivo popular nos centros urbanos e segurança pública. Esta é a agenda do Brasil para os próximos 12, 14 ou 16 anos. E o candidato que entrar no debate político sem estar armado sobre essas quatro questões vai ter um desgaste no processo eleitoral.
O que o senhor achou da estratégia do PT de utilizar o mote do "medo" no programa eleitoral do partido no rádio e na televisão?
Tarso - Não vi problema. A grande conclusão que você pode tirar é que as pessoas estão com medo mesmo, porque isso (a propaganda) teve um efeito muito devastador. Não estamos falando do medo relacionado à violência. A propaganda falou que os programas que o PT tem estão sendo impugnados, e que o desemprego e a miséria podem voltar no País.
O senhor acha que pode haver um retrocesso dos programas sociais se o Aécio for eleito?
Tarso - Sim, porque não se faz esse choque de gestão que ele está colocando sem que se cortem recursos. Como o pagamento da dívida não pode ser cortado, porque isso desequilibraria o relacionamento do Brasil com o mercado internacional, o corte só pode ser no arrocho salarial e nos programas sociais. Isso é um equívoco. É apostar na recessão e no aumento do desemprego. Isso não é bom para o País.
O PT gaúcho deverá receber o Lula e a presidente Dilma no Rio Grande do Sul na semana que vem. O Lula continua sendo a figura central do PT?
Ele continua sendo uma figura central da política brasileira porque fez com sucesso uma sucessora e continua tendo posições que são explicitadas nacionalmente, inclusive com relação ao partido. Lula já deu duas ou três declarações sólidas sobre a renovação do nosso partido, de uma maneira pela primeira vez muito aguda. Isso é positivo. Sou da minoria partidária que acha que o PT tem que ser reestruturado ideologicamente, programaticamente e politicamente.
Por quê?
O PT tem o risco de se tornar um partido de esquerda tradicional, o que seria um desfavor para a sociedade brasileira. Isso não é uma crítica aos partidos tradicionais. Todos têm que ser respeitados. Mas toda a democracia precisa ter um partido rebelde, transformador, que desenvolva um espírito utópico que move as mudanças generosas de qualquer sociedade. E o PT, com a sua condição de partido de governo, se aproxima de um pragmatismo perigoso. No próximo período, o PT tem que assumir novamente uma função transformadora mais aguda na sociedade brasileira. Se não o fizer, o campo popular, de esquerda, vai se fragmentar em milhares de micro organizações e a direita e a centro-direita vão reinar por muito tempo no futuro do País.
E por onde deveria começar esse resgate da essência do PT?
Por um sistema de alianças mais coerente, soldado com um centro político de esquerda amplo. Pela reforma da federação, que envolve a reestruturação da dívida pública e projetos sólidos voltados às grandes regiões metropolitanas. E pela compreensão do diálogo e colagem do partido com os movimentos sociais. Se o PT não fizer isso, corremos o risco de ficar como os partidos sociais democratas europeus hoje, que são uma face mais generosa da direita liberal.