Lula: ex-presidente é o possível beneficiado que mais está em evidência (Ueslei Marcelino/Reuters)
Reuters
Publicado em 17 de outubro de 2019 às 09h20.
Última atualização em 7 de novembro de 2019 às 17h37.
Brasília — O Supremo Tribunal Federal (STF) deve mudar a atual posição da corte que permite o início do cumprimento da pena de prisão após condenação em segunda instância. Se alterado, o entendimento pode beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A posição atual foi fixada há três anos pelo Supremo e está na base do sucesso popular angariado pela operação Lava Jato, a maior investigação de corrupção da história do país. Contudo, a corte tende a alterar sua posição na esteira de derrotas que a própria operação tem sofrido este ano no STF, após reportagens feitas pelo site The Intercept Brasil que mostram supostas articulações do ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, com procuradores da força-tarefa da Lava Jato. Os dois lados negam irregularidades.
O atual entendimento do Supremo é de que se pode começar a executar a pena de prisão de um condenado após decisão de um Tribunal de Justiça ou um Tribunal Regional Federal (TRF). A expectativa, segundo fontes, é que haja uma revisão dessa posição, no que deve ser o mais duro golpe sofrido pela Lava Jato desde seu início há cinco anos.
Levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contabilizou 4.895 presos como potenciais beneficiários de uma eventual mudança de entendimento sobre a prisão após condenação em segunda instância. Em nota, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba informou que, no caso da operação, 38 condenados — incluindo presos em regime fechado, semiaberto e com tornozeleira eletrônica — poderiam ser liberados.
Outros 307 denunciados, segundo os procuradores, que ainda esperam o julgamento na 1ª instância seriam beneficiados com a extensão do prazo para cumprimento da pena, assim como 85 já condenados em primeiro instância.
Além de Lula, os procuradores da Lava Jato apontam que podem ser beneficiados pela mudança os petistas José Dirceu e Delúbio Soares, além do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, entre outros.
Um dos principais entusiastas da Lava Jato no STF, o ministro Luís Roberto Barroso defendeu a manutenção da regra, que para ele melhorou o país, estimulou a delação premiada e permitiu que se desbaratassem redes de corrupção.
"O mundo nos vê como um paraíso de corruptos e temos de superar essa imagem e não há como superá-la sem um enfrentamento determinado da corrupção, dentro da Constituição e das leis", disse.
Também em entrevista, Moro foi na mesma linha e destacou que a presunção de inocência, no mundo todo, não está vinculada a recursos no processo penal e sim à prova categórica do processo.
"Claro que ninguém quer que nenhum inocente seja preso indevidamente e injustamente, mas o que que tem que ser feito: estabelecer que o recurso a um tribunal superior tenha efeito excepcional, suspensivo, não como regra, porque senão isso leva 10, 20, 30 anos e acaba resultando em prescrição e impunidade", avaliou.
Com a operação diretamente atingida por uma provável alteração no entendimento, os procuradores da Lava Jato afirmaram, em nota, que a mudança "estaria em flagrante dissonância com o sentimento de repúdio à impunidade e com o combate à corrupção, uma das prioridades do país."
Coordenador da força-tarefa, o procurador Deltan Dallagnol afirmou que acusados que poderiam começar a cumprir pena em 2 ou 3 anos passarão a cumpri-las em 10 a 15 anos.
Com a provável mudança, contudo, há duas linhas que podem ser adotadas. A primeira, mais purista, a de que somente com o fim de todos os recursos cabíveis — o chamado trânsito em julgado — é que se poderá começar a executar a pena.
A segunda, uma posição que já chegou a ser defendida pelo presidente do STF, Dias Toffoli, defende que se poderia esperar uma decisão de terceira instância, ou seja, que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) apreciasse o caso.
Lula seria beneficiado com sua liberdade caso a primeira linha seja adotada. Na segunda, dependeria do tipo de modulação a ser feita pelo Supremo, caso adote a posição da chamada terceira instância. Em abril passado, o STJ manteve a condenação do petista no processo do tríplex em Guarujá (SP), caso pelo qual cumpre pena de prisão há cerca de 550 dias, mas ainda há recursos pendentes a serem apreciados no caso.
Se o STF considerar que o condenado já pode ser preso após o primeiro julgamento pelo STJ, Lula permanece detido. Do contrário, se entender que a pena só pode começar a ser executada após análise dos embargos na corte, o petista poderia voltar à liberdade.
O advogado Cristiano Zanin Martins, que representa Lula, está confiante na mudança de entendimento do Supremo para ao menos remediar o que afirma ser um desrespeito que seu cliente vem sofrendo. Para o defensor, também não há amparo na Constituição para uma "interpretação criativa" que deixaria para o STJ a decisão sobre execução da pena de prisão.
"O momento é da Suprema Corte fazendo uma revisão de alguns assuntos relevantes que envolvem abusos realizados pela Lava Jato e que precisam ser revertidos o mais brevemente possível para que possamos haver restabelecido o Estado de Direito, que foi golpeado pela operação com suas práticas autoritárias", disse o advogado de Lula, que acompanhará o julgamento.
A defesa do ex-presidente espera que, além do julgamento sobre segunda instância do STF, se reconheça o mais rápido possível, o que chama de nulidade nos processos do tríplex e outros conduzidos pela Lava Jato em Curitiba em razão das reportagens do The Intercept Brasil e também do livro recém-publicado pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, em que ele diz que teria sido pressionado para que denunciasse Lula, mesmo não estando convencido.
"Queremos o restabelecimento da liberdade plena dele, com o reconhecimento da inocência", disse o advogado.