SERRA E MEIRELLES: os dois ministros têm visões diferentes de economia e são potenciais candidatos a presidente em 2018 / Alan Marques/ Folhapress / Montagem: Leandro Fonseca
Raphael Martins
Publicado em 10 de setembro de 2016 às 07h25.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h48.
O governo de Michel Temer não é exatamente um mar tranquilidade e coerência. Na quinta-feira 8, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, demitiu o advogado-geral da União, Fábio Medina Osório, e ouviu do colega que só aceitava uma demissão vinda do presidente. Aconteceu na sexta. Poucas horas depois, Temer exigiu que o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, voltasse atrás na versão de que o governo planejava jornadas de trabalho de 12 horas na Reforma Trabalhista.
Na votação do impeachment de Dilma Rousseff, no Senado, no dia 31, aliados fundamentais para a governabilidade foram surpreendidos pela manobra de Renan Calheiros que acabou mantendo os direitos políticos da ex-presidente. “Se o governo Temer insistir em manter um governo de cobra de duas cabeças, não vai ter unidade de pensamento e nem unidade da base de apoio”, afirmou na ocasião o senador José Agripino (DEM-RN). Nesta segunda-feira, novas provas de divisão explícita devem ser dadas na votação que pode cassar o mandato do deputado Eduardo Cunha na Câmara.
Mas, no campo mais crítico para o governo, a economia, há uma potencial disputa por espaço que pode ser decisiva para a estratégia do governo que se inicia agora em definitivo. De um lado, o ex-banqueiro Henrique Meirelles (PSD), ministro da Fazenda, com sangue privado e formação totalmente liberal. De outro, o ex-comunista José Serra (PSDB), ministro das Relações Exteriores e um social-democrata de carteirinha. Os dois têm visões econômicas diferentes, e uma ambição pra lá de conflitante — o sonho de chegar à presidência da República. A dinâmica dessa relação, e o equilíbrio de suas ambições, devem ser decisivos para o governo. “Há espaço para os dois no governo em prol de uma causa maior, mas as divisões terão que ser bem trabalhadas”, diz Fernando Schüler, cientista político e professor do Insper.
Na teoria, Meirelles terá mais voz na economia por ocupar a pasta mais nobre — e que era o grande desejo de Serra. Logo que começou a se desenhar o núcleo de ministros do governo de Michel Temer, no início de maio, o tucano se prontificou a ser o titular do Ministério da Fazenda. Trata-se, afinal, de um cargo central em momento de crise e que pode impulsionar quem o ocupa aos holofotes para a disputa presidencial de 2018. Ex-governador de São Paulo e ex-prefeito da capital, Serra vê nas próximas eleições a última chance de chegar ao Planalto depois de ser derrotado por duas vezes, primeiro por Luiz Inácio Lula da Silva e, em seguida, por Dilma Rousseff. Meirelles, ex-presidente do Banco Central no governo Lula, nunca ocupou cargo executivo, mas sonha com o Planalto.
Serra foi preterido por Temer na escolha para a Fazenda e acabou aceitando a cadeira do Ministério de Relações Exteriores. Foi a primeira senha para a orientação econômica pretendida por Temer. Serra tem uma visão mais intervencionista da economia, com voluntarismo na definição de taxa de juros e controle de câmbio. Isso o aproxima dos autodenominados desenvolvimentistas, que cercavam Dilma.
Meirelles é um economista de viés mais ortodoxo e que sinalizaria ao mercado uma posição mais rígida agora que o país terá de passar por um ajuste fiscal. Economistas ouvidos por EXAME Hoje concordam que a retomada depende de um perfil mais liberal, capaz de gerar confiança nos investidores, atrair capital, e tirar a economia do cadafalso. Foi a lógica ensaiada por Dilma Rousseff com a nomeação de Joaquim Levy para o cargo, no início de seu segundo mandato, mas o ajuste não saiu tanto por ambiguidade da presidente quanto às medidas quanto por sua falta de controle do Congresso.
Por perfil e circunstâncias do destino, Meirelles não é particularmente querido de Serra. Diante de boatos da substituição de Levy na Fazenda, ainda no governo Dilma, o tucano declarou em outubro de 2015 que não se lembrava “de um presidente do Banco Central tão ignorante” quanto Meirelles, que ocupou o cargo de 2003 a 2011. Ao assumir o ministério da Fazenda, Meirelles pediu a Temer que “contivesse” Serra, segundo publicou o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo.
De lá pra cá, não há notícia de desavenças entre os dois. Mas, no encontro do G-20, na China, que terminou na última segunda-feira, ficou clara a disputa por espaço. Segundo a colunista Vera Magalhães, do jornal O Estado de S. Paulo, Serra e Meirelles travaram uma amistosa disputa pelos holofotes. Os dois só davam entrevistas distantes um do outro, e tratavam de atrair o microfones para sua seara.
A história se repete
Até agora, portanto, não há notícia de rivalidade que vá além da ideológica – e da disputa em banho-maria por 2018. Serra tem histórico de fomentar rivalidades. O caso mais notório foi com Pedro Malan, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Assim que assumiu, em 1995, o presidente precisava de um ministro da Fazenda que desse continuidade ao Plano Real e queria alguém da sua antiga equipe.
Serra se apresentou para a Fazenda, mas o cargo ficou com Malan. Serra foi para o Planejamento, de onde saiu para disputar a prefeitura de São Paulo por divergências com Malan. No livro Diários da Presidência, FHC descreve como a negociação foi dura, e afirma que teve a intenção de “elevar o futuro eleitoral” de Serra com a decisão de deslocá-lo para uma pasta social. Após muita negociação, Serra acabou no Ministério da Saúde, onde conseguiu o capital político que o credenciou a disputar a presidência em 2010. “Era uma disputa política – e, quando tem disputa política, o resto que se cria são arabescos laterais, firulas, que não revelam qual é a verdadeira disputa. É um certo teatro”, escreveu Fernando Henrique sobre a disputa entre Serra e Malan.
Há uma lógica política de juntar adversários no primeiro escalão, em que o confronto de ideias, e de estilos, pode ser benéfico ao governo. No livro Team of Rivals, de 2005, a historiadora americana Doris Kearns Goodwin joga luz sobre a estratégia de Abraham Lincoln ao ser eleito presidente, em 1861. Lincoln não recebeu um único voto de delegados dos estados pró-escravidão e assumiu um país dividido. Sua decisão: nomear os três derrotados nas eleições para os principais cargos do governo. O senador William Henry Seward assumiu a secretaria de Estado, o juiz Edward Bates virou secretário do Tesouro, e o governador Salmon P. Chase assumiu como procurador-geral. Todos eles se julgavam melhores e mais preparados que o presidente inexperiente, e mais influentes que seus colegas. “Não tinha direito de privar o país de seus serviços”, afirmou Lincoln à época. O que se seguiu foram anos de rivalidades extremas, visões diferentes sobre economia, política e a Guerra da Secessão (1861-65) – e uma série de demissões não aceitas. Lincoln equilibrou com maestria os egos e as ambições da equipe até ser assassinado por um fanático em 1865..
No Brasil, em tempos de ditadura militar, o embate de ideias dentro do governo terminou em renúncia. O economista Mário Henrique Simonsen, ministro do Planejamento do governo João Figueiredo, deixou o cargo após apenas quatro meses por ver prevalecerem as ideias de Antônio Delfim Netto, que ocupava a cadeira da Agricultura, em 1979. Delfim sempre negou que houve conflito, mas aproveitou entrevista ao jornal Folha de S. Paulo em 1997 para alfinetar: “Mário foi embora do governo porque quis. Essa história da saída dele do governo Figueiredo precisa ser melhor explicada. Em agosto de 79, ele tinha consciência muito clara que a situação econômica era extremamente difícil e resolveu ir embora”.
Daqui para 2018
A chance de uma troca desse porte, ou de uma demissão histriônica, é mínima, avaliam analistas ouvidos por EXAME Hoje. Para o analista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, Temer sabe que disputas públicas entre seus ministros podem dificultar a comunicação oficial do Planalto e uma eventual saída geraria enorme dificuldade de transmitir confiança para os investidores, empresários e a população. “Os sinais não mostram um problema relevante neste momento de definição da estratégia do governo. Apaziguar o conflito Serra vs. Meirelles é sinalizar que há atenção na agenda para aprovar o ajuste”, afirma Cortez.
Conta o fato de o tempo de governo de Temer ser mais curto e o próprio Serra ser apontado como um político mais moderado do que era há 20 anos. “O Serra pode divergir tanto do Meirelles quanto do Ilan [Goldfajn, presidente do Banco Central] sobre o câmbio e a política monetária para o comércio exterior, mas evoluiu muito desde a Constituinte, com percepção de questões fiscais mais complexas”, afirma Maílson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda de José Sarney e sócio da Tendências Consultoria.
Apesar de não estar no núcleo principal do governo, do ponto de vista eleitoral, o Itamaraty não é desprezível para o que é a pretensão final de Serra. A revisão de posições estratégicas e maior abertura da economia, com crescimento de produtividade, pode contribuir de forma determinante para uma “reativação” no comércio exterior – e para seus objetivos políticos.
“A agenda do Meirelles é muito mais difícil, porque o ajuste é potencialmente desgastante em todo o seu curso. Não é um Plano Real que tem eventos positivos para capitalizar”, afirma Fernando Schüler, cientista político e professor do Insper. “As reformas da Previdência e trabalhista não geram manchete boa”.”
Em um cenário de recuperação do país, dois elementos entram no jogo: a popularidade (boa e ruim) de Serra e o perfil técnico de Meirelles. Na pesquisa Pulso Brasil, do Instituto Ipsos, realizada em junho, o tucano tinha 55% de rejeição entre os 1.200 entrevistados. Está longe de figuras como Eduardo Cunha (79%), Dilma (75%) ou Temer (70%), mas ainda assim é um número que pode prejudicar suas pretensões eleitorais.
Meirelles pode usar a falta de experiência política a seu favor. Analistas apontam que o perfil populista, como os da esquerda latino-americana do início do século, caiu em descrédito nos últimos anos – e que os eleitores estão mais dispostos a votar em nomes novos. Os exemplos são eleição de Mauricio Macri, na Argentina, e Pedro Pablo Kuczynski, no Peru. “Fernando Henrique Cardoso se capitalizou politicamente com esse perfil, é algo que toca o brasileiro. Se os números da economia de fato reagirem, Meirelles se torna fortíssimo candidato”, diz Schüler. E estamos apenas nos primeiros 10 dias de governo.