Sérgio Moro: Juiz quer colocar em prática a promessa de uma "agenda anticorrupção e anticrime" (Paulo Whitaker/Reuters)
Estadão Conteúdo
Publicado em 4 de novembro de 2018 às 16h35.
Brasília - O juiz Sérgio Moro vai levar para o Ministério da Justiça integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato. O magistrado já avalia nomes ligados à Polícia Federal, que voltará a ficar sob o comando da pasta, e à Receita Federal. Para colocar em prática a promessa de uma "agenda anticorrupção e anticrime", Moro terá o maior orçamento da pasta nesta década. Serão R$ 4,798 bilhões em 2019, 47% a mais do que a dotação autorizada para este ano. Ao mesmo tempo, herdará um déficit de pessoal em órgãos como a Polícia Rodoviária Federal.
Na quinta-feira passada (1), o magistrado aceitou o convite do presidente eleito, Jair Bolsonaro, para integrar o futuro governo. Antes da oficialização do seu nome, Moro e Bolsonaro conversaram na sala da casa do deputado na Barra da Tijuca, no Rio.
Por meia hora, a discussão teve a participação do economista Paulo Guedes, que vai comandar o novo Ministério da Economia. Depois, por 40 minutos, Bolsonaro e Moro ficaram sozinhos discutindo pontos prioritários do governo. Após o encontro, em coletiva, Bolsonaro disse que eles estavam alinhados: "Chegamos a um acordo de 100% em tudo".
Além de nomes da Polícia Federal e da Receita, o juiz tem afirmado a interlocutores que gostaria de contar com "um ou dois nomes" ligados ao Ministério Público Federal, mas admite que a participação de representantes desse braço da Lava Jato é "mais complicada" porque dependeria de exoneração de cargos.
Moro deve começar a analisar a estrutura do ministério assim que a equipe de transição começar a repassar os dados. Na terça-feira (6), ele concede a primeira entrevista coletiva para falar dos seus planos à frente da pasta.
Moro vai assumir uma pasta ampliada e com órgãos de combate à corrupção que estão atualmente em outros ministérios, como a PF e parte do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Por conta disso, ganhou também um orçamento mais robusto. Os R$ 4,7 bilhões que terá à disposição dizem respeito apenas a gastos discricionários, ou seja, despesas de custeio e investimento que poderão ser livremente administradas pelo chefe da pasta. Os valores não são comprometidos, por exemplo, com salários de servidores, inscritos na categoria de gasto obrigatório.
Mesmo com as severas restrições fiscais que impactam o orçamento federal, o valor disponível em 2019 para Justiça e Segurança Pública será inclusive maior que os R$ 4,693 bilhões do orçamento de 2016, ano no qual os gastos nas áreas foram inflados pela organização dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.
O aumento de recursos para as duas áreas vai na contramão do arrocho no Orçamento do próximo ano. O gasto discricionário total para 2019 terá uma redução de R$ 13,432 bilhões em relação ao volume disponível neste ano. Entre as áreas que terão menos recursos para gastos administrativos e investimentos estão Transportes, Integração Nacional, Cidades, Turismo e Desenvolvimento Social.
A diferença é explicada pela atenção maior que o tema da segurança pública ganhou no governo de Michel Temer, que em fevereiro deste ano criou um ministério próprio para a área.
Outros órgãos que podem ser incorporados pelo superministério de Moro também terão verba maior no ano que vem. Para 2019, os recursos previstos para a Controladoria-Geral da União (CGU) somarão R$ 110,843 milhões, um crescimento de 16% em relação a este ano e o maior valor desde que o órgão passou a ter orçamento próprio, em 2013.
Mesmo neste cenário de um orçamento maior, Moro terá de administrar déficit de pessoal em alguns dos órgãos sob a tutela da superpasta. Responsável pelas investigações de combate ao crime organizado ligado ao narcotráfico e ao desvio de verbas públicas, prioridades do futuro ministro, a PF tem um déficit de ao menos 4 mil vagas, segundo a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF).
A entidade diz que a previsão legal é de um quadro de funcionários com aproximadamente 15.200 policiais e 3.100 servidores administrativos. Atualmente, há apenas um concurso em andamento que prevê a contratação para 500 vagas. Já no Coaf, órgão responsável por mapear e informar as autoridades sobre transações financeiras suspeitas, há um déficit histórico de pessoal. O conselho é composto por 40 pessoas. Uma proposta para aumento do efetivo já havia sido encaminhada para o Ministério da Fazenda.
O criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira afirma que o juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, "reúne amplas condições para assumir o Ministério da Justiça", mas chama a atenção para o fato de que a competência da pasta "não se restringe às questões relativas à segurança pública".
Com mais de 40 anos de atuação nos tribunais, ex-secretário da Segurança de São Paulo e ex-presidente da OAB-SP, Mariz chegou a ser cotado para assumir a pasta quando Michel Temer assumiu à Presidência, em 2016, mas acabou ficando de fora porque já havia atuado na Lava Jato como defensor. Ele afirma que a agenda contra o crime, para ter legitimidade, "tem de estar ao lado da agenda em defesa dos direitos e das garantias previstas na Constituição".
"Se assim não for, a ação do Ministério da Justiça se transformará em meramente repressiva, punitiva, própria da atuação policial, e não de um ministério comprometido com a ordem jurídica e com o estado de direito", afirma o advogado.
Moro aceitou na quinta-feira passada (1) o convite do presidente eleito, Jair Bolsonaro, para assumir o superministério da Justiça, que vai absorver as atividades do Ministério da Segurança.
"O juiz Sérgio Moro reúne amplas condições para assumir o Ministério da Justiça", considera Mariz. "Preparado juridicamente, foi um juiz extremamente operoso e trabalhador. No entanto, preocupou-me sua fala no sentido de que sua agenda será marcada pelo combate à corrupção e ao crime organizado."
O criminalista afirma que, "em primeiro lugar, ele (Moro) deve lembrar que a competência do Ministério da Justiça é ampla, não se restringe às questões relativas à segurança pública".
"Outras questões existem, como a dos índios, a questão fundiária, a questão penitenciária, fronteiras, entre outras." Para ele, a agenda tem de seguir a "defesa dos direitos e das garantias previstas na Constituição".
"Cadeia, por si só, não resolverá", afirma o criminalista. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.