José Maria Marin: o ex-presidente da CBF, que está preso nos Estados Unidos (Rafael Ribeiro/CBF/Divulgação)
Estadão Conteúdo
Publicado em 4 de fevereiro de 2019 às 08h51.
São Paulo - Acostumado com o conforto do seu apartamento de 600 metros quadrados nos Jardins, zona nobre de São Paulo, e com hotéis luxuosos, o ex-presidente da CBF José Maria Marin tem convivido com uma realidade bem diferente na penitenciária federal de Allenwood, nos Estados Unidos.
Transferido em outubro da Metropolitan Detention Center, cadeia no Brooklyn, em Nova York, onde passou dez meses, para o presídio de segurança baixa localizado em uma pequena cidade no interior do estado da Pensilvânia, o ex-cartola passou a ter acesso a serviços como biblioteca e programas educativos, mas continua submetido a uma rígida rotina imposta pelos agentes do sistema prisional norte-americano.
Aos 86 anos, Marin ganhou o direito de deixar a Metropolitan Detention Center - chamada por advogados de "depósito humano" por causa da condições dadas os presos - devido principalmente à idade avançada e por não oferecer risco de fuga. Isso, no entanto, não significa que em Allenwood ele tenha privilégios.
O Estado conversou com pessoas próximas a Marin e teve acesso a documentos que detalham não só como o brasileiro tem passado os últimos quatro meses, mas a lista de deveres e obrigações dele dentro da cadeia.
Condenado a quatro anos de prisão pelos crimes de organização criminosa, fraude bancária e lavagem de dinheiro cometidos no período em que presidiu a CBF, de 2012 a 2015, Marin teria recebido U$ 6,5 milhões (R$ 23,7 milhões pelo câmbio atual) de propina para assinar contratos de direitos comerciais da Copa Libertadores, Copa do Brasil e Copa América. Ele nega.
Em Allenwood, Marin acorda todas os dias às 5h da manhã, quando os agentes penitenciários passam nas celas para fazer a contagem dos presos. A partir das 6h, o café da manhã começa a ser servido. Quem não acordar no horário estipulado ou não deixar a cela "de forma organizada" está sujeito a medidas disciplinares.
A cama tem de estar arrumada com lençol, cobertor e travesseiro até 7h30, no máximo. Às 10h, o ex-presidente da CBF tem de ficar "quieto" e em pé dentro da cela, para uma nova contagem dos presos. Às 10h45, vai para o almoço. Às 16h, mais uma vez Marin tem de estar em pé na cela para outra conferência de detentos. Na sequência, vem o jantar.
Dentro do refeitório, as regras são rígidas. As mesas não podem ser reservadas, por exemplo, colocando casacos ou roupas nas cadeiras.
A acomodação é por ordem de chegada. Na fila do bandejão, o preso não pode se servir em nenhuma hipótese e tem de esperar que os funcionários do presídio coloquem a comida no seu prato. Depois de sair do refeitório, o detento não poderá entrar novamente no espaço "por qualquer motivo". Também é proibido retirar frutas ou qualquer item do restaurante.
Marin é obrigado a usar o tempo todo um cartão preso a um cordão em volta do pescoço com seus dados de identificação. Só pode tirar o crachá quando estiver dentro da cela. O seu número de inscrição no sistema prisional norte-americano é 86356-053.
Outra obrigação é o uso de uniforme com uma importante observação: a camisa deve ficar dentro da calça, exceto quando Marin estiver no ginásio ou no pátio. Mas, por causa do inverno rigoroso que tem castigado Allenwood, com temperaturas entre -15ºC e -20ºC, o ginásio e a sala de musculação só devem reabrir em maio, quando não estiver mais tão frio.
A previsão é de que Marin fique ao menos mais dois anos e meio em Allenwood e ganhe a liberdade em junho de 2021, quando terá 89 anos - seu aniversário é no dia 6 de maio. Nos Estados Unidos, não existe progressão da pena para os regimes semiaberto e aberto para cidadãos estrangeiros não residentes.
Assim, a expectativa dos advogados de defesa de Marin é reduzir a pena por bom comportamento e também porque o ex-cartola ficou 13 meses detido (na Suíça e em Nova York) antes do anúncio da sua sentença, em agosto do ano passado.
Não entra nesta conta o período de mais de um ano em que o brasileiro cumpriu prisão domiciliar em seu apartamento localizado na 5.ª Avenida, no arranha-céu Trump Tower, numa das regiões mais valorizadas de Nova York. Durante esse período, ele podia sair até sete vezes por semana de casa, desde que permanecesse dentro de um raio de até duas milhas (o equivalente a 3,2 quilômetros) de seu apartamento e usasse tornozeleira eletrônica.
Na prisão de Allenwood, cabe a Marin manter a sua cela com "um alto nível de saneamento", "limpa e ordenada". Isso significa varrer o chão todos os dias e esvaziar a lata de lixo. As celas no presídio são padrão, com uma escrivaninha e um armário. Todos os pertences pessoais de Marin tem de ficar guardados nas gavetas.
Não é permitido nenhum item pendurado nas paredes ou no teto. Quem montar prateleiras dentro do armário, adicionando ganchos, por exemplo, ou mudar a decoração da cela é punido.
O dia de Marin em Allenwood termina às 22h. Novamente o ex-presidente da CBF tem de ficar "quieto" e em pé dentro da cela para a última contagem antes de dormir. Às 5h do dia seguinte, a rotina recomeça infalivelmente.
Mesmo preso nos Estados Unidos, o ex-presidente da CBF José Maria Marin recebe pensão vitalícia do Estado de São Paulo no valor de R$ 20.257,80 por mês - com os descontos e impostos, sobraram líquidos para o ex-dirigente R$ 14.914,56 no mês de dezembro.
O valor refere-se à pensão parlamentar da extinta carteira previdenciária dos deputados paulistas. Marin foi deputado estadual por dois mandatos, de 1971 a 1979. Também foi governador do Estado por dez meses, entre 1982 e 1983.
O ex-presidente da CBF contribuiu por 16 anos, de 1971 a 1987. Ele recebe a pensão há quase 32 anos, desde o dia 16 de março de 1987. O valor da pensão é reajustado na mesma proporção dos deputados estaduais em mandato. Em 2012, por exemplo, Marin recebia R$ 16.033,00 por mês.
Ao ser condenado à prisão em agosto do ano passado pela Corte Federal do Brooklyn, nos Estados Unidos, o ex-cartola teve US$ 3,35 milhões (R$ 12,2 milhões na cotação atual) confiscados e foi multado em US$ 1,2 milhão (cerca de R$ 4,3 milhões).
Marin ainda foi condenado em novembro a devolver US$ 137.532,60 (R$ 500 mil) para a Conmebol e a Fifa. Desse montante, US$ 118 mil (R$ 430,8 mil) são referentes à entidade sul-americano e US$ 19.532,60 (R$ 71,2 mil) à Fifa.
Para conseguir arcar com todas as despesas e pagar advogados no Brasil e nos EUA, Marin tem vendido bens adquiridos no período em que presidiu a CBF, como uma mansão no Jardim Europa comprada por R$ 13,5 milhões em 2014 e passada para frente três anos depois por R$ 11,5 milhões.