Eletrobras: lei que viabiliza privatização foi publicada em julho de 2021. (Dado Galdieri/Bloomberg)
Alessandra Azevedo
Publicado em 16 de junho de 2021 às 18h37.
Última atualização em 17 de junho de 2021 às 07h02.
Sem consenso sobre o texto, senadores pediram adiamento da votação da medida provisória (MP) que abre caminho para a privatização da Eletrobras. A matéria estava prevista para ser analisada nesta quarta-feira, 16, pelo plenário, mas o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), aceitou adiar a votação para esta quinta-feira, 17.
A demora para a apresentação do parecer foi um dos motivos para o adiamento da votação. Pouco depois das 17h e ainda sem acesso ao texto, senadores reclamaram do prazo curto para analisá-lo. “Não faz diferença nenhuma deixarmos para depois. Que vá para a caducidade agora, a MP. O certo é que não dá agora”, afirmou o senador Lasier Martins (Podemos-RS).
Se a medida não for aprovada até a próxima terça-feira, 22, ela perde a validade, o que faria com que a privatização da estatal voltasse para a gaveta pela terceira vez. O prazo é apertado, principalmente porque, se o Senado fizer mudanças, o texto precisa voltar para avaliação da Câmara. O governo do presidente Jair Bolsonaro tem feito pressão pela aprovação.
Na Câmara, os deputados acrescentaram emendas que incluem a obrigação de que a União compre energia de termelétricas e de pequenas centrais hidrelétricas, além de renovar contratos de energia renovável subsidiados. Essas mudanças foram contestadas por parlamentares, porque podem resultar em aumento na conta de luz.
O texto prevê, por exemplo, a compra de 6.000 MW (megawatts) de usinas que devem ser instaladas nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Considerado um jabuti — dispositivo inserido sem que tenha relação direta com o projeto —, esse ponto é um dos mais problemáticos do texto, segundo especialistas do setor e parlamentares.
Logo após a aprovação da MP na Câmara, em 31 de maio, um grupo de 40 entidades representantes de empresas do setor elétrico e grandes consumidoras de energia publicou um manifesto que questiona as medidas e estima um custo adicional de 20 bilhões de reais ao consumidor por ano apenas com a contratação das térmicas.
No total, com todos os penduricalhos adicionados ao texto, a estimativa do grupo é de que o impacto seja de 41 bilhões de reais anualmente, o que seria suficiente, segundo o documento, para elevar em média em 10% a tarifa do consumidor residencial e em até 20% a de estabelecimentos como restaurantes, bares, pequenos comércios, shoppings e supermercados.
Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) publicou uma manifestação a favor da aprovação da MP nesta quarta-feira em que diz entender que as exigências colocadas no texto não retiram a relevância da medida. A medida “possibilitará aumento de investimentos e melhora no ambiente de negócios”, defende a CNI.
O texto da MP define que a privatização será feita por meio do aumento do capital social da empresa. O governo deixará de ter controle majoritário da Eletrobras com a venda de novas ações na bolsa de valores a compradores que não sejam a União, para "diluir" a participação.
Mas a União terá uma ação especial, a chamada "golden share", que garante poder de veto em decisões da assembleia de acionistas. Com isso, poderá evitar que algum acionista ou grupo detenha mais de 10% das ações com direito a voto, o que fica proibido pela MP.
O pesquisador do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura da FGV Diogo Lisbona considera que a medida, com os pontos incluídos pela Câmara, vai no caminho oposto da tendência de expansão da matriz energética brasileira com fontes de energia limpa, como a solar e a eólica.
"Tem uma empresa que é renovável num momento de transição energética, um parque hidrelétrico enorme, e se coloca um condicionante de contratação de termelétricas em lugares onde não tem gás", afirma. "Essas demandas colocadas no Congresso, que volta e meia voltam à tona, significarão um preço enorme para os consumidores", ressalta.
Segundo o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales, se aprovada da forma como está, a medida resultará em uma menor eficiência do sistema de energia do país, que já passa por uma crise com o período úmido de 2020-2021 tendo registrado a pior entrada de água no reservatório das hidrelétricas da história do Sistema Interligado Nacional, medido desde 1931.
"Toda vez que se impõe soluções de menor eficiência energética ou econômica, de forma amarrada para o operador nacional do sistema, vai se criando um monstro crescente de ineficiência que vai cobrar sua conta em algum momento do futuro", afirma Sales.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS) usou expressão parecida para definir o texto que chegou da Câmara: “Um verdadeiro monstrengo jurídico, totalmente acéfalo”. Segundo ela, o projeto impacta o sistema para pior, com inevitável aumento na conta de luz. “É inconstitucional na forma e imoral no conteúdo”, argumentou.
Na avaliação do professor do Insper Sérgio Lazzarini, que estuda estratégia e organização em empresas do setor público, o momento, em que o governo se encontra com pouca margem de barganha no Congresso e o país passa por uma crise hídrica que ameaça a geração de energia, não é o mais propício para a aceleração da discussão.
"É da natureza do Congresso buscar contrapartidas, acenos políticos. É preciso muita estratégia governamental para passar esse tipo de proposta. O modelo que foi feito com a Eletrobras, que vem da época do governo Temer, realmente abriu espaço para esse tipo de coisa. Mas a atratividade do processo caiu bastante", avalia Lazzarini.
No Senado, nesta quarta-feira, a discussão foi intensa. Vários senadores pediram a palavra para discursar contra o projeto, principalmente pelos “jabutis” inseridos pela Câmara. Poucos se manifestaram a favor. O senador Alvaro Dias (Podemos-PR) recomendou a rejeição da MP e disse que “não dormiria em paz se votasse uma proposta dessas de forma açodada”.
Pacheco garantiu que a medida será avaliada "dentro dos limites regimentais", com tempo para análise e apresentação de destaques antes da votação, mas assegurou que não deixará o texto caducar. Segundo ele, "não ha nenhum açodamento e nenhum desejo por parte da presidência de atropelo das prerrogativas dos senadores na apreciação de uma matéria dessa natureza".
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