Maringá (PR) lidera o ranking de aplicações vencidas, com 3.536 vacinados nessa condição (Eduardo Frazão/Exame)
Estadão Conteúdo
Publicado em 2 de julho de 2021 às 21h10.
Secretarias de Saúde informaram nesta sexta-feira, 2, apurar registros de aplicação de vacina da AstraZeneca contra a covid-19 fora da validade. Levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo aponta cerca de 26 mil notificações de aplicações de doses vencidas. O Ministério da Saúde e os Estados afirmam ter distribuído os lotes dentro do prazo. Já as prefeituras negam injeções irregulares de doses, afirmam haver erros de registro e preveem fazer nova checagem dos dados.
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Conforme a Folha de S. Paulo, esses imunizantes, de oito lotes importados AstraZeneca/Oxford, foram usados em 1.532 municípios do País. É possível consultar o lote do imunizante no cartão individual de vacinação. Ao Estadão, o ministério afirmou ter distribuído os produtos na data correta. Disse ainda caber ao gestor local o acompanhamento da validade dos frascos e da aplicação das doses.
Já a data de validade de cada lote é informada pelo próprio Ministério da Saúde em comprovantes de distribuição de vacinas aos Estados. Cruzamento de dados realizado pelo Estadão em ferramenta da organização Base dos Dados, que compila informações do governo federal, aponta cerca de 28 mil registros de aplicações cujas datas ultrapassam o prazo de vencimento dos lotes. A assessoria do Ministério da Saúde, porém, afirmou ao Estadão que pode haver inconsistências nos microdados.
A Secretaria da Saúde paulista disse ter distribuído as doses dentro da validade e informou ter identificado 4.772 possíveis aplicações fora do prazo no sistema. Segundo o Estado, dados da plataforma de monitoramento "sugerem" que imunizantes vencidos foram usados em 315 cidades. A gestão João Doria (PSDB) não descarta a hipótese de parte dos casos, na verdade, se tratar de erro no momento do registro. "A pasta está informando as prefeituras, que são as responsáveis pela aplicação das vacinas, para realizar busca ativa desta população", disse.
A Prefeitura de São Paulo disse que a verificação de validade passa por "tripla checagem: no recebimento, na distribuição e na aplicação da vacina, inclusive, com a apresentação do frasco ao munícipe". Afirmou ainda que vai rastrear os dados dos sete milhões de vacinados da capital. Guarulhos, na Grande São Paulo, disse ter identificado 96 registros "com data de aplicação posterior à data do vencimento'. Do total, 86 foram em uma instituição particular do município, que já foi notificada. Os outros dez, argumenta, foram erros de digitação.
Ainda segundo a Folha de S. Paulo, Maringá (PR) lidera o ranking de aplicações vencidas, com 3.536 vacinados nessa condição. Em comunicado, o secretário de Saúde da cidade, Marcelo Puzzi, nega uso de doses vencidas e atribui o problema a erro de sistema de registro. "O lançamento no Sistema Conect SUS está diferente do dia da aplicação da dose.
Isso porque, no começo da vacinação, a transferência de dados demorava a chegar no Ministério da Saúde, levando até dois meses", afirma. "Portanto, os lotes elencados são do início da vacinação e foram aplicados antes da data do vencimento. Concluindo, não houve vacinação de doses vencidas em Maringá e sim erro no sistema do SUS." Já a secretaria estadual do Paraná diz que vai investigar, mas que é "preciso ponderação neste momento".
O governo gaúcho afirmou que vai fazer conferência das notificações e disse ter plano de contingência caso seja confirmada a aplicação indevida. "Segundo relatos da Organização Mundial da Saúde, o risco se dá em relação à diminuição do efeito protetor da vacina e não ao risco de evento adverso pelo prazo de validade", afirmou. Já a capital do Rio informou que também vai fazer o levantamento e, se houver aplicação fora do prazo, haverá revacinação.
A prefeitura de Tubarão chegou a dizer que "transforma a data da aplicação informada, no estilo DIA/MÊS/ANO, para o estilo americano, MÊS/DIA/ANO. Assim, por exemplo, uma vacina aplicada no dia 05/02/2021, aparece no sistema como 02/05/2021". Procurado, o ministério não se manifestou sobre essa afirmação.
Em nota, a Fiocruz informou que os oito lotes não foram produzidos pela instituição brasileira, mas foram fabricadas pelo Instituto Serum, da Índia, ou recebidas via Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). A instituição disse ainda estar apoiando o Programa Nacional de Imunizações (PNI) na busca de informações junto ao fabricante, na Índia, para subsidiar as orientações a serem dadas àqueles que possam ter tomado a vacina vencida.
Já a Anvisa, também em nota, disse ter não ter recebido "pedido de análise sobre a ampliação do prazo de validade da vacina da AstraZeneca ou foi consultada sobre a aplicação do produto fora do prazo definido em bula". Acrescentou ainda que "vacinas com prazo de validade expirado não têm garantias de eficácia e segurança".
Segundo a orientação do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO), caso alguma vacina seja administrada após o vencimento, essa dose não deverá ser considerada válida, sendo recomendado um novo ciclo vacinal, respeitando um intervalo de 28 dias entre as doses. O vacinado deverá ser acompanhado pela Secretaria de Saúde local.
Presidente do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia, o pesquisador João Viola afirma que, mesmo fora do prazo, a vacina não traz maiores riscos para quem eventualmente tenha tomado. "A chance de ter algum efeito adverso mais grave normalmente não está relacionada à validade do imunizante", afirma. "O problema é o contrário: não ter os efeitos de imunoproteção que se esperavam com a vacina."
Segundo o imunologista, todos os episódios registrados devem ser notificados à Anvisa. "Há uma diferença quando o 'fora da validade' é de alguns dias ou de anos", diz. "O ideal é que a pessoa (que tenha suspeita de aplicação fora do prazo) procure o posto de saúde para ter acompanhamento dos profissionais e receber as devidas orientações médicas e sanitárias."