Santa Catarina: estado está há mais de um mês com hospitais completamente lotados (Silvio Avila/AFP)
Estadão Conteúdo
Publicado em 30 de março de 2021 às 11h32.
Última atualização em 30 de março de 2021 às 11h44.
Há mais de um mês com hospitais completamente lotados, a Secretaria de Saúde de Santa Catarina decidiu adotar um protocolo de triagem para decidir quais pacientes com covid-19 que aguardam na fila de UTI serão transferidos e quais vão receber um tratamento paliativo. A expectativa é de que a decisão possa ser seguida nos próximos dias por outras secretarias de saúde, diante da crise.
Santa Catarina vai seguir os critérios da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), da Associação Brasileira de Medicina de Emergência, da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia e da Academia Nacional de Cuidados Paliativos. As entidades lançaram em maio de 2020 uma lista de recomendações sobre como alocar os recursos a fim de salvar o maior número de vidas, caso fosse necessário fazer escolhas em um momento de esgotamento do sistema.
Na sexta-feira, os conselhos de secretários de saúde estaduais (Conass) e municipais (Conasems) se reuniram para discutir o problema e viram uma apresentação do protocolo pela médica intensivista Lara Kretzer, primeira autora do documento da Amib. Coordenadora da Residência em Medicina Paliativa da Universidade Federal de Santa Catarina e doutora em Direito pela Universidade de Londres, ela está na linha de frente do atendimento aos pacientes com covid desde o início da pandemia e lembrou que essas escolhas já estão sendo feitas diariamente quando há mais pessoas precisando de recursos do que o disponível.
"Recomendamos que as decisões sejam transparentes, com base em critérios elaborados por quem tem expertise técnica e que também passaram por escrutínio de juristas e profissionais de bioética" explica Lara.
A ideia é que todos estejam sujeitos aos mesmos critérios, de modo a evitar inconsistência ou perda de credibilidade. O protocolo foi enviado aos intensivistas do País, mas o momento pede a adoção pelo poder público. "A gente precisa compartilhar o peso dessa decisão. Ela não pode ficar somente nos ombros dos profissionais de linha de frente que estão super desgastados com a carga de trabalho e com tanto sofrimento e morte. Não é justo que eles tenham de definir isso sozinhos", diz.
"O nosso objetivo é sempre salvar o maior número de vidas. A base da pirâmide é reduzir a transmissão com as medidas de higiene, máscara, distanciamento com rigor dependendo da fase da pandemia.
Depois vem ampliar a oferta de leitos, as medidas de contingência. Mas quando isso tudo é superado, como é o caso agora, é preciso acionar a triagem. A gente esperava nunca ter de usar esse protocolo", afirma.
Lara explica que o primeiro critério observado é o da gravidade da doença aguda, quantos órgãos foram afetados e quão gravemente. Outro fator observado é se a pessoa tem outras doenças de base, crônicas e muito avançadas. "Avaliamos se aquele paciente estaria caminhando para o fim de sua vida antes mesmo da covid", diz.
O terceiro critério é o de funcionalidade - quão bem a pessoa está fisicamente para aguentar não só a doença como o próprio tratamento em UTI, que é bastante agressivo.
"A missão do sistema de saúde é fazer o atendimento centrado na pessoa. No momento em que não podemos atender todo mundo, temos de deslocar a decisão do nível individual para o nível de população. Só vou salvar mais vidas se identificar quem tem mais chance de sobreviver. É uma decisão muito cruel, que vai contra todas as conquistas dos últimos anos."
Dados de Santa Catarina repassados ao Ministério Público, mostram que, oficialmente, foram 233 mortes registradas na fila de UTI só em janeiro, fevereiro e março. No Estado, terão preferência aos leitos de UTIs os pacientes que se enquadram na chamada "prioridade 1": que necessitam de intervenções de suporte à vida, com alta probabilidade de recuperação e sem limitação de suporte terapêutico.
Na sequência, vem o grupo 2, dos que necessitam de monitorização intensiva, "pelo alto risco de precisarem de intervenção imediata, e sem limitação de suporte terapêutico". Os pacientes com limitações para intervenção terapêutica, com baixa probabilidade de recuperação ou em fase terminal são os que têm menos chances de chegar à UTI. A indicação é encaminhar para cuidados paliativos.