Cloroquina: milhões de comprimidos de hidroxicloroquina estão encalhados em armazém do Ministério da Saúde (Getty/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 11 de dezembro de 2020 às 13h18.
Última atualização em 11 de dezembro de 2020 às 13h23.
Mesmo com mais de 2,5 milhões de comprimidos de hidroxicloroquina encalhados nos estoques, o Ministério da Saúde planeja gastar até R$ 250 milhões para oferecer o medicamento, além do antibiótico azitromicina, no programa Farmácia Popular.
O plano prevê reembolsar farmácias conveniadas para que distribuam de graça os produtos que compõem o chamado "kit covid". Essas drogas não têm eficácia comprovada contra o novo coronavírus, mas se tornaram aposta do governo Jair Bolsonaro para enfrentar a pandemia. Agora, a ideia é usar dinheiro público para distribuir gratuitamente em farmácias.
Os comprimidos de hidroxicloroquina encalhados não fazem parte do kit que poderá passar a ser distribuído gratuitamente. No Farmácia Popular, os estabelecimentos conveniados entregam medicamentos de graça ou com até 90% de desconto e recebem reembolso pelo valor que pagaram à indústria.
Com os mesmos R$ 250 milhões previstos para distribuir o "kit-covid" seria possível ao governo comprar 13,18 milhões de doses da vacina produzida pela Universidade de Oxford e pelo laboratório AstraZeneca, ao preço de R$ 18,95 por unidade, suficiente para imunizar quase 7 milhões de pessoas. Revelado pelo Estadão em setembro, o estudo para inserir o medicamento no Farmácia Popular corre em sigilo no ministério desde o começo de julho. Nesta semana, a proposta recebeu aval da área jurídica e chegou às mãos do ministro Eduardo Pazuello.
Será preciso prescrição médica para retirar o "kit covid". Segundo a tabela de preços definida pelo governo federal, custa R$ 25 cada caixa com dez comprimidos de sulfato de hidroxicloroquina 400 mg, medicamento indicado na bula para artrite reumatoide, lúpus e malária. Já dez comprimidos do antibiótico azitromicina 500 mg valem R$ 35 - valores considerando o ICMS de São Paulo.
Desde o início da pandemia, Bolsonaro turbinou a produção de cloroquina (substância com o mesmo princípio ativo da hidroxicloroquina) no Laboratório do Exército, que fez mais de 3 2 milhões de comprimidos. Em novembro havia mais de 400 mil unidades em estoque. O País também recebeu cerca de 3 milhões de comprimidos de hidroxicloroquina do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e da farmacêutica Sandoz, mas ainda não conseguiu distribuir nem 500 mil unidades. Além da baixa procura o fármaco foi enviado em caixas com 100 ou 500 comprimidos e precisa ser fracionado - com custo repassado a Estados e municípios.
O presidente tem insistido em divulgar o medicamento mesmo após uma série de estudos, realizados em diferentes países, não conseguirem comprovar qualquer benefício. Dois ministros da Saúde (Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich) deixaram o governo entre outros motivos, por divergências sobre a prescrição da droga. Na gestão de Pazuello, que começou em maio, o Ministério da Saúde mudou radicalmente de discurso. A pasta passou a recomendar o uso desde os primeiros sintomas da covid-19. O próprio Bolsonaro e a primeira-dama, Michelle, disseram que se trataram com essas drogas.
Também contaminado, Pazuello participou de uma "live" ao lado do presidente no fim de outubro e afirmou que ficou "zero bala" após tomar o "kit completo" contra a doença. Na ocasião, o presidente chegou a afirmar que aquele era "mais um caso concreto" de que o uso dos medicamentos "deu certo".
Dias depois, porém, o ministro foi internado. Segundo apurou o Estadão, ele teve de tomar corticoide, anticoagulante, antibiótico e soro. Mesmo curado, o general ainda sente efeitos da doença, como cansaço e dores no corpo.
Procurado desde a segunda-feira passada, o Ministério da Saúde se recusou a comentar sobre o estoque de hidroxicloroquina existente e a inclusão do medicamento no Farmácia Popular. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.