Para manter presos 753 residentes foram gastos R$ 4,5 milhões entre 2016 e 2017 (Caspar Benson/Getty Images)
Agência Brasil
Publicado em 31 de maio de 2019 às 12h05.
O estado de São Paulo gasta, em média, R$ 76 milhões por mês para manter pessoas presas provisoriamente (sem julgamento), aponta levantamento do Instituto Sou da Paz e da rede Nossas Cidades, em parceria com a Defensoria Pública de São Paulo. O estudo Vale a Pena? Custos e Alternativas à Prisão Provisória no Estado de São Paulo mostra que os valores destinados à administração penitenciária cresceram 27,5% entre 2010 e 2017, enquanto projetos destinados à população jovem tiveram investimentos reduzidos.
"A prisão provisória, claro, em alguns casos é cabível, é justificável, mas a gente sabe que no Brasil há um uso excessivo da prisão provisória. Pessoas que poderiam responder o processo em liberdade, mas muitas vezes ficam presas esperando julgamento", disse Ana Carolina Pekny, coordenadora de projetos do Sou da Paz. Ela explica que a ideia do estudo foi mostrar que há grandes investimentos em repressão, mas há ações de prevenção da violência que poderiam empreender melhores resultados. Foram analisados 20 mil prisões provisórias.
O levantamento utiliza, como estudo de caso, os bairros Jardim Ângela, Freguesia do Ó e Brasilândia. Para manter presos 753 residentes desses distritos foram gastos R$ 4,5 milhões entre 2016 e 2017. O montante supera o valor anual do programa Jovem Cidadão - Meu Futuro, que oferece oportunidades de inserção no mercado de trabalho para jovens. Em relação aos crimes imputados, o estudo aponta que as ocorrências não violentas representaram 22% dos crimes relacionados aos presos da Freguesia do Ó, 12% do Jardim Ângela e 17% da Brasilândia.
Ana Carolina diz que o estado gastou, em um ano, 130 vezes mais com administração penitenciária, cerca de R$ 5 bilhões em 2017, do que gastou com dois programas de atendimento a população jovem: Jovem Cidadão e Ação Jovem. "Fizemos a comparação de quanto o estado está investindo em programas que podem reduzir a vulnerabilidade dos jovens e consequentemente evitar o envolvimento com a violência e quanto ele gasta quando tudo já está perdido, quando ele precisa prender", explicou.
Para Ana Carolina, o sistema de Justiça faz uma aposta na privação de liberdade como resposta à violência. "Às vezes nem é para a violência, porque o furto, por exemplo, nem é um crime violento. Há uma aposta muito grande no encarceramento, como se a medida cautelar não fosse o bastante", disse.
O estudo revela casos como o de Marcos (nome fictício), catador de material reciclável de 37 anos, que foi acusado de receptação de uma bicicleta roubada em junho de 2016. Ele ficou preso provisoriamente por um ano, o que representou um custo de R$ 15 mil para o Estado. Depois de julgado, ele foi condenado a um mês e cinco dias, pois o juiz reconheceu que ele desconhecia que a bicicleta era produto de roubo. O estudo propõe que sejam avaliadas medidas cautelares, quando necessárias, como alternativas à prisão provisória.
"Tem uma lei, que é a lei das medidas cautelares, de 2011, que traz uma série de medidas que podem ser adotadas como alternativas à prisão, além da própria liberdade provisória. Hoje, quando um preso passa por audiência de custódia ele simplesmente poderia ter liberdade provisória e isso significa que ele vai ser processado, talvez condenado, mas vai esperar o julgamento em liberdade", disse. Ana Carolina se refere, especificamente, aos casos não violentos. "Nossos centros de prisão provisória estão muito lotados, alguns com capacidade acima de 200%. A pessoa é presa numa situação muito indigna. A prisão deveria ser reservada para os casos em que ela é muito necessária".
De acordo com o Sou da Paz, entre os presos provisórios de São Paulo, muitos são suspeitos de crimes de baixo potencial ofensivo, como os acusados por furtos tentados, receptação e uso de documento falso, além de indivíduos que provavelmente serão absolvidos ou condenados a penas inferiores ao tempo que passaram presos aguardando julgamento. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), quatro entre 10 pessoas que respondem a processos presas no Brasil não são condenadas a penas privativas de liberdade.
Entre as recomendações apontadas no estudo, estão: manter a realização das audiências de custódia presenciais e em até 24 horas após a prisão, além de divulgar dados atualizados a respeito das audiências; priorizar a liberdade provisória sempre que possível e fortalecer encaminhamentos assistenciais para presos; fortalecer a Defensoria Pública de São Paulo; aumentar os investimentos em políticas voltadas à juventude e à redução da vulnerabilidade social; e produzir e divulgar dados regionalizados sobre o orçamento e os gastos públicos.
O governo de São Paulo informou, por meio de nota, que "desconhece a metodologia adotada pelo estudo e esclarece que não houve diminuição nos repasses a programas voltados aos jovens", destacou que houve ampliação de programas educacionais em 2019 e que o estado "tem a maior rede profissionalizante do país".
O Estado informou ainda que o programa Jovem Cidadão está sendo reformulado para ser uma modalidade do NovoTec, que "dá oportunidade para alunos do ensino médio cursarem ao mesmo tempo ensino técnico profissionalizante". Segundo o governo, estudantes do ensino médio da rede pública estadual terão oportunidade de inserção no mercado de trabalho por meio de estágio remunerado em empresas, entidades e órgãos da administração direta. A perspectiva é que, até 2022, o Novotec ofereça cerca de 400 mil novas matrículas.
O programa Ação Jovem, por sua vez, beneficiou, segundo o governo estadual, 500 mil jovens desde 2004. "A meta é readequar o programa para os dias atuais e estabelecer mais parcerias para incluir o jovem no mercado de trabalho. Este ano, o Ação Jovem vai atender mais de 35 mil jovens", diz a nota.
Sobre as prisões, o governo informou que elas são determinadas pela Justiça. "Desde 2015, quando o Estado firmou termo de cooperação com o Tribunal de Justiça de São Paulo, todos os presos em flagrante são apresentados, em até 24 horas, à autoridade judicial, que avalia a legalidade e a necessidade de manutenção das prisões".