Bolsonaro e Ernesto: decisão foi anunciada nesta segunda-feira (Valter Campanato/Agência Brasil)
Clara Cerioni
Publicado em 12 de dezembro de 2018 às 09h06.
Última atualização em 12 de dezembro de 2018 às 09h25.
São Paulo — A decisão do futuro governo Bolsonaro de se afastar do Pacto Global de Migração da ONU tende a afetar mais os três milhões de brasileiros que moram no exterior do que aqueles que pedem refúgio no Brasil.
Essa é a avaliação de organizações que defendem os direitos de refugiados e imigrantes.
Para Marcelo Haydu, diretor do Instituto Adus, organização que reintegra refugiados no Brasil, os brasileiros que moram em outros países podem sofrer retaliações e exclusões.
"Os brasileiros que moram fora, independente do motivo, podem se prejudicar. Quando o Brasil se isenta de ser acolhedor com imigrantes, outras nações devem colocar barreiras e empecilhos", afirmou.
Segundo o especialista, o Brasil tem cerca de três milhões de pessoas vivendo em outras nações, enquanto aqui há apenas 1 milhão de emigrantes.
Camila Asano, coordenadora de programas da ONG Conectas, afirma que a decisão tomada pelo futuro governo é um contrassenso, já que o Brasil aprovou recentemente a Lei de Migração, que representou um grande avanço para o tema.
"Agora, com o indicativo de saída do pacto, retrocederemos à lógica de olhar para o migrante sob uma óptica de segurança nacional, na qual o migrante é visto como ameaça e não alguém com condições para contribuir com a sociedade", diz.
A especialista também refuta que os brasileiros no exterior serão atingidos pela medida.
"Se pegarmos como exemplo os países que já anunciaram sua retirada do pacto, esses conterrâneos serão impactados no exterior de forma análoga ao impacto sobre um migrante que vive no Brasil. No caso, há países que têm uma postura muito mais restritiva que o Brasil e isso poderá impactar seriamente os brasileiros que vivem no exterior", completa.
Paal Nesse, do Conselho Norueguês de Refugiados, lamentou a decisão de governos de deixar o esforço e disse não haver indicações de que o acordo mine a soberania de um país.
"O pacto prevê um espaço suficiente para que cada governo possa ter sua política", indicou o representante de uma das maiores entidades que lidam com refugiados e migrantes. "Não há nada que indique a soberania seria abandonada ou perdida."
Para ele, a decisão de governos de se distanciar do pacto "enfraquece o momento político e mina os esforços internacionais para ter a migração organizada de forma mais ordenada".
Nesta segunda-feira (10), o futuro chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, divulgou em seu Twitter que, a partir de janeiro, o país deixará o Pacto Global de Migração, assinado no mesmo dia, em Marraquexe, por mais de 160 nações — inclusive o Brasil.
"O governo Bolsonaro se desligará do Pacto Global de Migração que está sendo lançado em Marrakech, um instrumento inadequado para lidar com o problema”, escreveu Araújo, acrescentando que a “imigração é bem-vinda, mas não deve ser indiscriminada”.
Para facilitar a leitura, reproduzo aqui, em conjunto, o texto dos meus três tweets desta noite sobre o tema das migrações: pic.twitter.com/Oq8WWgNOhl
— Ernesto Araújo (@ernestofaraujo) December 11, 2018
Após o anúncio do futuro chanceler, diversas entidades e autoridades criticaram a decisão.
O atual ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, que assinou o pacto e foi um dos idealizadores da Lei de Migração, afirmou que leu "com desalento os argumentos que parecem motivar o presidente eleito a querer dissociar-se do Pacto Global sobre Migrações".
Segundo Nunes, o tratado é uma questão global que atinge também o Brasil. "A questão é sim uma questão global. Todas as regiões do mundo são afetadas pelos fluxos migratórios, ora como pólo emissor, ora como lugar de trânsito, ora como destino", escreveu em seu Facebook.
À imprensa em Marraquexe, o Joel Millman, porta-voz da Organização Internacional de Migrações (OIM), disse que a decisão é lamentável.
"É sempre lamentável quando um Estado se dissocia de um processo multilateral, em especial um (país) tão respeitável de especificidades nacionais", declarou.
Segundo ele, apesar da saída de alguns países, 164 governos assinaram o documento. "Esse é um quadro para cooperação", alertou.
Além do Brasil, Estados Unidos, Chile e República Dominicana também ficaram de fora do pacto.
(Com Estadão Conteúdo)