Represa de Jaguari, administrada pela Sabesp, é vista com baixo nível de água, em Bragança Paulista (Paulo Whitaker/Reuters)
Da Redação
Publicado em 28 de julho de 2014 às 07h58.
São Paulo - A proposta da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) para retirar uma segunda cota do volume morto do Sistema Cantareira, sem reduzir a vazão captada, pode deixar o nível do principal manancial paulista no vermelho em até 30% para o início de 2015.
A concessionária busca aval dos órgãos gestores para captar mais 116 bilhões de litros da reserva profunda dos reservatórios, além dos 182,5 bilhões que começaram a ser sugados em junho e devem acabar entre outubro e novembro. Em janeiro deste ano, quando a crise da água foi declarada, o sistema estava no azul com 23% da capacidade.
Só das represas Jaguari-Jacareí, que ficam entre as cidades de Bragança Paulista e Joanópolis, a cerca de 100 quilômetros da capital paulista, a Sabesp quer retirar mais 90 bilhões de litros represados abaixo do nível das comportas.
Se a quantidade for toda utilizada, os reservatórios que representam 82% da capacidade ficarão com apenas 4% do seu volume total, incluindo o útil e o morto.
Até ontem, a Sabesp já havia retirado 65,8 bilhões de litros do fundo das duas barragens, restando 38,5 bilhões de litros da primeira cota dessas represas, que devem durar até o fim de agosto.
A partir daí, a concessionária deve iniciar a captação de 78,1 bilhões de litros da Represa Atibainha, em Nazaré Paulista, com duração prevista até o fim de outubro, quando começa o período chuvoso.
Sem a garantia de que as chuvas voltarão à normalidade e querendo manter a vazão atual de 19,7 mil litros por segundo para abastecer mais de 40% da Grande São Paulo, a Sabesp quer usar mais 116 bilhões do volume morto, totalizando 298 bilhões de litros da reserva, o equivalente a 30% do volume útil do manancial, que se esgotou no início deste mês.
A proposta ainda precisa ser aprovada pela Agência Nacional de Águas (ANA) e pelo Departamento de Água e Energia Elétrica (DAEE).
Licitação. A Sabesp já abriu licitação para comprar mais 19 conjuntos de bombas flutuantes e fazer um canal subaquático necessário para retirar mais água do volume morto do Cantareira e do Sistema Alto Tietê, segundo maior manancial que abastece a Grande São Paulo e que também passa por grave crise de estiagem.
No início do mês, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) havia negado que usaria mais uma cota da reserva profunda do Cantareira, embora a Sabesp já estivesse planejando retirar mais 100 bilhões de litros, conforme o Estado antecipou.
Agora, a empresa quer aumentar em 16% a segunda cota do volume morto, que tem ao todo 400 bilhões de litros.
Estimativas apontam que, se a vazão afluente, ou seja, a quantidade de água que chega aos reservatórios, for 50% abaixo da mínima histórica, e não houver redução no volume destinado ao abastecimento da população, a segunda cota do volume morto pode acabar ainda em dezembro deste ano, o que deixaria uma crise ainda mais grave para 2015.
Em julho, por exemplo, a vazão média afluente está 68% abaixo da pior já registrada para o período. O mês será o mais seco da história do sistema, o que deve resultar em déficit de 51,5 bilhões de litros, ou 5,2% da capacidade. Na média, agosto e setembro costumam ser mais secos do que julho.
Risco
"O volume morto é como se fosse o cheque especial do banco. Mas, em vez de poupar e reduzir o consumo, o governo quer ampliar o limite para gastar mais. Essa fatura ficará mais cara em 2015, porque vamos começar o ano no negativo. A crise será ainda pior", afirma o engenheiro e diretor do departamento de hidrologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Antonio Carlos Zuffo.
Segundo ele, quanto mais fundo a Sabesp for buscar água, maior o risco de contaminação. "A dragagem está revolvendo muito lodo do fundo, onde ficam os poluentes, os metais pesados", completa.
O uso da segunda cota, caso seja autorizada, também deve retardar o processo de recuperação do Cantareira. No início do mês, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que uma análise estatística mostrou que a chance de o sistema acumular entre dezembro deste ano e abril de 2015 um volume de água suficiente para tirá-lo da crise após o término da primeira parte da reserva profunda era de apenas 25%. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.