Rozales: "O que vemos é que a interpretação continua sendo mais impactante do que a própria lei"
Da Redação
Publicado em 23 de outubro de 2017 às 16h48.
Última atualização em 24 de outubro de 2017 às 10h16.
Há 104 dias, o presidente Michel Temer conseguia a aprovação da reforma trabalhista no Congresso. Uma das propostas mais controversas e essenciais de seu projeto de governo, a reforma começa a valer no dia 11 de novembro e teve como principal objetivo flexibilizar os contratos de trabalho.
Só que o presidente ainda não cumpriu a promessa de fazer os ajustes necessários para corrigir brechas e falhas na lei, já que o Senado se negou a fazer as correções para acelerar a tramitação.
Para a advogada Clarisse de Souza Rozales, sócia do escritório Andrade Maia e especialista na defesa empresarial em processos trabalhistas, o descaso do governo causa desconforto e insegurança para todos: desde o próprio judiciário até empresários e empregados.
Por que é necessário alterar pontos da reforma trabalhista?
Um dos objetivos da reforma trabalhista é eliminar margens para interpretação. Existia muita subjetividade. As mudanças passariam a simplificar o julgamento. O que vemos é que a interpretação continua sendo mais impactante do que a própria lei.
A mudança na legislação era necessária porque a justiça brasileira tem uma tendência de interpretação que favorece o lado mais “fraco”. Ou seja, na dúvida, a justiça do trabalho deve decidir a favor do empregado. E, por esse princípio, a lei pode ser interpretada de forma muito variada.
A reforma trabalhista foi promulgada há mais de 100 dias, mas ainda há brechas e falhas no texto a serem corrigidas. Isso passa insegurança para as empresas?
Na verdade, não é insegurança jurídica, e sim uma insegurança no judiciário. Houve uma reunião recente entre magistrados, que publicaram uma serie de verbetes justificando a não aplicação da reforma, alegando que a reforma não teria cumprido os trâmites necessários para ser legítima. Ou seja, mesmo que exista, talvez ela não seja reconhecida ou aplicada.
E como vai ser daqui pra frente?
O cenário será de insegurança. Aos nossos clientes pedimos cautela, principalmente no que diz respeito às negociações com os funcionários, temendo as novas decisões dos legisladores.
E talvez os magistrados optem por partir para interpretações, utilizando analogias e princípios, e contrariando o texto da norma.
Por que a legislação brasileira tem tantas brechas que permitem diferentes interpretações?
Esta é uma questão histórica. O Brasil é diferente de países europeus e dos Estados Unidos, que têm como base as decisões que vão sendo tomadas ao longo do processo.
O Brasil escolheu não dar esse poder à justiça, optando pelo processo legislativo, onde o legislador faz as leis e o judiciário as interpreta.
O problema é que o sistema judiciário possui um vocabulário que dificulta as interpretações. Ou seja, o legislativo edita as normas, mas o Poder Judiciário ainda tem a necessidade de interpretar seu conteúdo e isso acarreta dúvidas na aplicação da lei.
No início da semana, o Ministério do Trabalho alterou o conceito de trabalho escravo, e a forma como a fiscalização deve ser feita. Por isso, o governo foi alvo de duras críticas. A legislação sobre trabalho escravo no Brasil é, de fato, muito rigorosa?
Ela era muito rigorosa. Uma empresa com práticas consideradas normais podia ser reconhecida como uma empresa que exercia trabalho escravo.
E isso ocorria porque os fiscais tinham muito espaço para interpretar, e aplicar uma pena sobre o que eles interpretavam como trabalho escravo. Com a mudança de conceito, ela ficou muito restrita. E eu compreendo que os fiscais estejam na dúvida sobre qual conceito utilizar.
É complicado que um fiscal não concorde com o que está escrito. Um empregado que não tem o direito de ir e vir pode não ser considerado trabalho escravo. Tínhamos uma legislação muito ampla, agora, temos uma muito simplificada e defectiva. Saímos do 80 para o 8.