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Roupas, gestos e religião: traficantes e milicianos impõem 'cartilha do medo' nas comunidades

Confundido com miliciano por estar vestindo camisa preta, auxiliar de serviços gerais Francisco de Assis Almeida foi morto por traficantes do Catiri, na Zona Oeste

Comunidade da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Comunidade da Rocinha, na zona sul do Rio de Janeiro (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Agência o Globo
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Publicado em 11 de janeiro de 2025 às 19h13.

A morte do auxiliar de serviços gerais Francisco de Assis Ricardo de Almeida, de 40 anos, confundido com um miliciano por estar vestindo uma camisa preta, na última sexta-feira, revela uma espécie de "cartilha do crime" à qual os moradores de regiões marcadas pelo conflito armado estão submetidos.

Francisco estava a caminho de um retiro em uma igreja evangélica no Catiri, na Zona Oeste do Rio, quando foi morto. O motivo do crime, porém, não é um fato isolado ou novidade. Em comunidades dominadas pelo poder paralelo, gestos, roupas, cores, orientação religiosa e até comportamentos considerados inadequados podem colocar em risco a vida das pessoas, muitas vezes sem que a própria vítima tenha conhecimento da regra.

Nas redes sociais, o fato chamou atenção dos moradores, que se mostraram surpresos com a motivação da morte de Francisco. Alguns usuários afirmaram que era preciso “andar com um manual no Rio de Janeiro”. Outra pessoa mostrou indignação com a situação: “Agora não pode usar preto, não pode fazer sinal com as mãos em fotos, e o errado somos nós? Que mundo é esse?”, indagou uma mulher.

Sem saber que a cor seria proibida em algumas regiões, uma internauta expressou surpresa e demonstrou desconhecimento da regra imposta pelo crime. “Gente, eu nem sabia disso de cor de roupa, assim como eu não sabia ele também não deveria saber. Morreu por conta de roupa, que loucura.”

A prima de Francisco relatou que, durante o trajeto, ele e outros membros da igreja, que também usavam roupas pretas seguindo a orientação do retiro, foram alvejados por tiros disparados de um carro. Ela acredita que o grupo foi confundido com milicianos que atuam na região. Segundo a familiar, há informações de que o grupo criminoso costuma ir à comunidade toda sexta-feira para coletar dinheiro do "arrego".

— Eu vi o corpo dele no chão, vi o tiro que atingiu o coração. Se me dissessem sem eu ver, eu não acreditaria, porque ele era tão bom. A gente vê tantos casos como esse se repetindo. Não acredito mais em justiça. Parece que os bandidos têm mais poder do que as autoridades — desabafou a prima.

Casos como o de Francisco não são isolados. No início deste mês, um vídeo que circula pela internet mostrou traficantes raspando à força o cabelo de ao menos três mulheres na comunidade da Serrinha, na Zona Norte, por supostamente participarem de um “grupo da fofoca”. A polícia confirmou que os vídeos são recentes e investiga o caso.

Em Quintino, na Zona Norte, um entregador de bebidas foi morto a tiros enquanto trabalhava. Jorge Luís da Silva Ferreira Junior, de 25 anos, passava próximo ao Morro do Fubá quando foi executado. Segundo o G1, testemunhas afirmam que traficantes da Serrinha, em Madureira, confundiram o rapaz com um informante da facção Terceiro Comando Puro (TCP).

No Complexo de Israel, conjunto de favelas na Zona Norte dominado pelo TCP, o traficante conhecido como Peixão, que se apresenta como evangélico, proibiu a realização de celebrações em uma igreja católica da região.

Adeptos de religiões de matriz africana também são impedidos de promover encontros ou festas no local, impondo aos moradores da Cidade Alta, Cinco Bocas e Pica-Pau uma rotina de medo. Peixão espalha pelos muros das comunidades que domina símbolos bíblicos e frases como “Jesus é o dono desse lugar”.

Além de regras comportamentais, traficantes e milicianos exploram os moradores por meio de negócios irregulares, que vão desde a venda de sinais clandestinos de televisão a cabo e internet, até o controle do comércio de gás.

Em nota, a Polícia Militar ressalta a importância de que a população colabore realizando denúncias - o telefone do Disque-Denúncia é (21) 2253-1177 - ou, para casos urgentes, faça o acionamento através da Central ou através do aplicativo 190. Os registros nas delegacias da Polícia Civil também são essenciais para que procedimentos investigativos sejam iniciados.

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