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Publicado em 27 de abril de 2025 às 09h50.
Visível em praças e prédios suntuosos, a riqueza histórica do Rio de Janeiro também se esconde sob nossos pés. Edifícios de estilos art nouveau e art déco no Centro e em bairros da Zona Sul se sobrepõem a dezenas de construções subterrâneas influenciadas não pelos franceses, mas pelos alemães.
Segundo uma pesquisa da arquiteta Isabella Cavallero, formada pela UFRJ, pelo menos 33 prédios erguidos por volta de 1942 possuem abrigos antiaéreos, heranças de como a Segunda Guerra Mundial afetou não só o cotidiano da cidade, mas sua arquitetura. Hoje, esses cômodos antibomba estão debaixo de lanchonetes, prédios e outros pontos por onde as pessoas passam sem imaginar onde estão pisando.
No início da década de 1940, após o Brasil romper relações diplomáticas com o Eixo — formado por Japão, Itália e Alemanha — e sofrer ataques a embarcações, Getúlio Vargas estabeleceu medidas para proteger o país. Hoje, 80 anos após o fim da Segunda Guerra, muitos dos bunkers cariocas mantêm características da época, ainda que tenham virado estacionamentos, depósitos ou até casas de funcionários em condomínios.
"Na segunda fase do governo de Getúlio Vargas, foi publicado o Decreto-Lei 4.098 que determinava que, a partir de fevereiro de 1942, edifícios com mais de quatro pavimentos e com uma área superior a 1.200 metros quadrados deveriam ter abrigos antiaéreos", explica Isabella, que, com a antropóloga colombiana Ana Catalina Correa, criou o site Bunker Paradies, de curiosidades sobre o assunto.
O tema começou a chamar atenção da arquiteta na pandemia. Após se mudar para Berlim, Isabella estudou mais a fundo o estilo brutalista, caracterizado pelo uso de concreto aparente e foco na funcionalidade, e se perguntou se conseguiria encontrar documentos indicando que endereços do Rio de Janeiro escondiam os abrigos antiaéreos nesse estilo.
Após explorar matérias de jornal e documentos de arquivos históricos, a arquiteta identificou 33 endereços cariocas com bunkers, alguns já conhecidos, como o subsolo da Praça dos Expedicionários, no Centro, e o da Galeria Menescal, em Copacabana, na Zona Sul. Um vídeo publicado neste mês no Instagram e no Tik Tok pode trazer outras revelações sobre o tema.
"Muitas pessoas mandaram novos endereços, mas ainda não consegui comprovar. O próximo passo é obter as plantas baixas porque às vezes a entrada para a pesquisa não é autorizada pelos síndicos", afirma ela, que de 7 a 18 de maio vai participar da mostra “80 anos depois: soldados-cidadãos do Brasil na Segunda Guerra Mundial”, no Forte de Copacabana.
Mesmo antes do decreto-lei, por conta do clima de medo que pairava no Rio, então capital federal, imobiliárias e construtoras destacavam os bunkers nos edifícios como uma forma de prezar pela segurança de seus moradores. João Barone, baterista do Paralamas do Sucesso, é autor do livro “O Brasil e sua guerra quase desconhecida”, filho de um ex-combatente da Segunda Guerra e estudioso do assunto.
"Mesmo que o Brasil tenha entrado na guerra em 1942, levou um tempo até participar efetivamente. Só em 1944 a gente conseguiu começar a mandar os nossos soldados, que foram parar na Itália. Ali em 1943, 1944, já se tinha uma noção mais realista de que o Brasil estava longe da rota de ser atacado pelos alemães", explica Barone.
Ruy Castro, no livro que lançará em junho, “Trincheira tropical: a Segunda Guerra Mundial no Rio” (Companhia das Letras), relata como o conflito impactou o cotidiano carioca e lembra que a construção dos bunkers chegava a detalhes, como “geração própria de gás e de energia e instalações para cozinha, lavabos e dormitórios para cinco ou dez famílias”.
Assim é o abrigo antiaéreo de 300 metros quadrados do Edifício Filadélfia, na Avenida Nossa Senhora de Copacabana. No local ainda há as divisões dos cômodos, a escada de fuga, instalações e saídas de ar, tudo protegido por concretagem robusta. Hoje, o espaço gigantesco abriga bicicletário e dependências para porteiros.
"Neste prédio morou o médico do Getúlio Vargas. Meu marido, de 70 anos, foi da primeira leva de moradores", diz a síndica Denise Rholoff.
Na Urca, na Rua Roquette Pinto, o bunker do Edifício Guaracy virou há 20 anos a casa do paraibano Djalma Lima, porteiro que divide um espaço de seis por três metros quadrados com a esposa e seu gato.
"Se acontecer alguma coisa hoje, estamos protegidos", brinca.