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Restrições na pandemia tornam hotéis no Rio opção de lazer para cariocas

Levantamento aponta que os 'nativos' chegam a representar 31% da clientela; antes do coronavírus, eram 9,4%

Sem poder viajar, cariocas passaram a se hospedar mais na própria cidade (Andia/Getty Images)

Sem poder viajar, cariocas passaram a se hospedar mais na própria cidade (Andia/Getty Images)

AO

Agência O Globo

Publicado em 3 de outubro de 2021 às 09h02.

A pandemia da Covid-19, que restringiu voos nacionais e internacionais, fechou fronteiras ou impôs quarentenas para entrar em países, atraiu um novo perfil de turista para os hotéis do Rio: o próprio carioca. Um levantamento por amostragem feito pelo SindHotéis-Rio, a pedido do GLOBO, aponta que os “nativos” chegam a representar 31% dos hóspedes. Antes do coronavírus, eram 9,4%.

Para ocupar quartos que, no passado, recebiam estrangeiros ou brasileiros de outras regiões, vale dar descontos de até 50% no valor da tarifa para quem mora na cidade. Os operadores ainda usam o argumento de que o hóspede pode gastar menos que em um passeio fora da cidade e ainda usufruir de uma infraestrutura invejável, como piscinas no terraço com vista panorâmica e hidromassagem.

A pesquisa que identificou um aumento no número de cariocas hospedados toma como base a percepção do setor, pois não há dados com números absolutos. O último anuário estatístico da Associação Brasileira de Hotéis (ABIH-RJ) é de 2019, quando as informações eram processadas tendo como referências o país de origem — ou, no caso dos visitantes brasileiros, apenas por estado.

Em 23% dos leitos

Segundo a rede hoteleira, o mais comum, até 2020, era o carioca adquirir passes como o “day user”, que permite aproveitar serviços oferecidos pelo hotel, sem necessariamente se hospedar. A comodidade continua à venda.

— O carioca não era cliente. Agora, são 500 a 600 hóspedes por mês que moram no Rio e correspondem a 23% dos leitos ocupados. O carioca descobriu uma nova maneira de curtir sua própria cidade — diz Michael Nagy, diretor de Vendas e de Marketing do Hotel Fairmont, em Copacabana. — Minha percepção é que essa relação do carioca com a cidade veio para ficar. Vai levar tempo para que a malha aérea anterior à pandemia seja restabelecida. E ainda tem a questão do poder aquisitivo da população, afetado pela pandemia.

O típico hóspede carioca geralmente não fica em hotéis para visitar os pontos turísticos mais explorados por agências — Cristo Redentor, Pão de Açúcar e Maracanã, entre outros —, mas para aproveitar melhor o que existe no entorno do local escolhido, sejam restaurantes, sejam lojas ou a própria paisagem.

— Eu e minha namorada fizemos coisas que jamais tínhamos experimentado. Vi o pôr do sol no Arpoador, conheci o Parque Garota de Ipanema e tomei café em bares que descobri em ruas internas. Foram dois dias em Copacabana que valeram mais do que se fosse visitar, mais uma vez, a Região dos Lagos — diz o comerciante Acácio Rodrigues Santana, 54 anos, morador da Barra.

Um novo perfil

Relações-públicas da rede Marriott e do Sheraton Grand Rio (Leblon), Manoela Barcellos observou uma mudança no perfil do carioca que fica nas unidades:

— No passado, eram mais casais que iam comemorar aniversário de casamento. Fizemos promoções com descontos para moradores do Rio e passamos a atrair mais famílias. E essa procura por vagas aumentou à medida que mais pessoas eram vacinadas.

Entre os que trocaram um passeio fora do Rio por virar hóspede na própria cidade para comemorar o aniversário está a historiadora Rosa Maria Araujo, moradora de Ipanema. No fim de setembro, a família ocupou três quartos do Sheraton:

— Em 2020, com as viagens restritas, já tinha feito a mesma coisa, mas só com o meu namorado. Agora, foi com a família. Parte desceu até a praia em frente ao Sheraton, outros usaram as quadras. Moro em Ipanema, mas tenho evitado caminhar no calçadão e ir a bares e restaurantes, que têm estado muito cheios — conta a historiadora.

Para o presidente do SindHotéis-Rio, Alfredo Lopes, o carioca está tendo uma nova relação com a cidade:

— E há outra vantagem: as tarifas estão 30% mais baixas que no período pré-pandemia. Também observamos mais visitantes oriundos de outras cidades, como Barra Mansa, Volta Redonda, Resende, Nova Iguaçu e Itaguaí.

Paulo Michel, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH-Rio), observa:

— Com a pandemia, os destinos mais próximos, bem como experiências em família, passaram a ser mais valorizados. O Rio ainda levou vantagem porque teve sua infraestrutura hoteleira renovada para a Olimpíada e a Copa do Mundo.

Uma das datas descobertas como rentável pelo setor hoteleiro foi o Dia dos Namorados. Em junho deste ano, muitos casais trocaram os motéis por noites românticas nos hotéis. Foi o que percebeu, por exemplo, o Hilton de Copacabana, que ofereceu pacotes para dois.

— A taxa de ocupação no Dia dos Namorados chegou a 100%. O que oferecemos na rede, independentemente da data, é permitir que o carioca tenha a liberdade de curtir sua própria cidade, em ambientes seguros — explica a Laura Castagnini, diretora-geral da rede Hilton no Rio.

Entre os que aproveitaram a data dos namorados para um programa diferente, estão a dona de casa Andreia de Oliveira Simões, de 48 anos, e o marido, o advogado René Pereira Simões, de 53, que celebraram no Hotel Windsor Martinique, em Copacabana. Em setembro, repetiram a dose no Hotel Atlântico Sul, na orla do Recreio, para sair da rotina. O casal mora na Ilha do Governador.

— Viajar na própria cidade é mais barato. Em Copacabana e no Recreio, experimentamos restaurantes que não conhecíamos. Com a estrutura dos hotéis, evitamos até mesmo circular por bares, que têm estado muito cheios com as alterações das regras de isolamento social — avalia Andreia Simões.

Moradora da Gávea, a influenciadora digital Liza Canha conta que sua experiência de aproveitar a infraestrutura da hotelaria carioca é mais antiga. Ela é cliente assídua há oito anos. A última vez foi em setembro no Sheraton Leblon com o marido, filhos e enteados, onde conta ter visto mais moradores do Rio que no passado:

— Ficar na própria cidade pode ser uma experiência que ajuda a reforçar laços afetivos para quem dispõe de pouco tempo. E é uma forma de manter a sanidade na pandemia.

Mudanças na pandemia

O perfil dos clientes vem mudando desde março de 2020. No início da pandemia, quando boa parte dos hotéis fechou por falta de demanda, algumas redes que permaneceram abertas recebiam, principalmente, funcionários de companhias que prestam serviços de
offshore
em plataformas de petróleo e profissionais de saúde que vieram de outros lugares reforçar as equipes médicas. Do Rio, os principais clientes eram casais de idosos, que buscavam ficar isolados.

Na Barra da Tijuca, na Praia da Reserva, o número de cariocas no Hotel Hyatt também chama a atenção.

— Os brasileiros perceberam quão atrativo é ser turista no próprio país e na própria cidade. Como o Hyatt Rio está localizado em uma área cercada pela natureza, damos aos nossos hóspedes a sensação de “viajar sem viajar”. As pessoas podem aproveitar o benefício das férias sem perder muito tempo com deslocamento — diz o gerente-geral, Laurent Ebzant.

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