Brasil: percepção que a corrupção aumentou nos últimos doze meses atinge, ao menos, 54% dos brasileiros (Paulo Fridman/Getty Images)
Clara Cerioni
Publicado em 23 de setembro de 2019 às 13h40.
Última atualização em 23 de setembro de 2019 às 13h46.
São Paulo — Entre janeiro e maio deste ano, a percepção de que a corrupção aumentou nos últimos doze meses atingiu, ao menos, 54% dos brasileiros, segundo pesquisa da organização não-governamental Transparência Internacional, divulgada nesta segunda-feira (23).
De acordo com o relatório, que abrange também dados da América Latina e o Caribe, é "muito cedo" para atribuir esse resultado às medidas propostas pelo governo de Jair Bolsonaro, porque a pequisa foi realizada nos primeiros meses de gestão.
A organização, contudo, diz que no começo do ano, os brasileiros tinham "expectativas muito altas para o desempenho de Bolsonaro, com base em sua plataforma de campanha e, principalmente, sua retórica".
Isso se deve ao fato de que, na pesquisa anterior, de 2017, 56% dos entrevistados consideravam ruim o trabalho anticorrupção do governo, na época do ex-presidente Michel Temer, contra 46% que viam como bom. Já no levantamento deste ano, a percepção negativa caiu para 35% dos entrevistados, contra 48% de positiva.
Apesar das expectativas, a Transparência Internacional sinaliza que nesses quase oito meses que se passaram desde a realização da pesquisa, o Brasil "sofreu uma série de golpes" no quadro anticorrupção. Ao todo, a organização cita cinco acontecimentos.
No fim de janeiro, o vice-presidente Hamilton Mourão assinou um decreto que alterou a Lei de Acesso a Informação (LAI) e permitiu que servidores em cargos comissionados classificassem dados do governo como informações ultrassecretas, grau máximo de sigilo.
Anteriormente, essa decisão só poderia ser tomada pelo presidente da República, seu vice, os ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas.
O decreto foi alvo de críticas apontando perda de transparência. Na ocasião, Fabiano Angélico, consultor sênior da Transparência Internacional, disse a EXAME que esperava ter sido um equívoco, porque o governo, "desde a campanha fala muito em moralidade e transparência".
O relatório cita que o governo também "não deu muita atenção às acusações de corrupção contra membros de seu gabinete".
Eles fazem referência a dois casos em especial. O primeiro envolve os supostos repasses por meio de caixa dois do grupo J&F ao ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Ele admitiu e pediu desculpas, mas até hoje, ainda não há conclusão da justiça sobre as acusações.
Depois, a Transparência Internacional cita atitudes do próprio presidente sobre os envolvimentos de seu filho mais velho, Flávio Bolsonaro, com desvios de dinheiro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
O documento cita uma entrevista do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima à BBC Brasil, em que ele afirmou que "atitudes recentes do presidente – como mandar o antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Banco Central e trocar nomes-chave da Receita Federal – podem ter sido motivadas pelo desejo de proteger seu filho".
Além disso, o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio é investigado desde fevereiro pela suspeita de chefiar um esquema de candidaturas laranja e desvio de verbas públicas no PSL de Minas Gerais. Uma deputada federal do partido o acusa de tê-la ameaçado de morte; ele nega as acusações.
Para a organização, o governo Bolsonaro também peca em seu pacote anticorrupção, considerado "relativamente limitado", mas que está atualmente parado no Congresso, com poucas chances de aprovação.
Recentemente, o plenário do Senado aprovou uma das propostas para definir limites de magistrados e procuradores, para evitar abuso de autoridade. O presidente, no entanto, vetou 36 dispositivos de 19 artigos da lei.
Outra medidas proposta pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, a criminalização específica do caixa 2 foi desmembrada do pacote anticrime e não há previsão de quando será discutida.
Desde o começo do ano, Bolsonaro já fez interferências no segundo escalão da Receita Federal e da Polícia Federal, mudou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) de lugar e escolheu Augusto Aras, um nome de fora da lista tríplice, para liderar a Procuradoria-Geral da República.
A escolha foi classificada como retrocesso pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR): "O indicado não foi submetido a debates públicos, não apresentou propostas à vista da sociedade e da própria carreira. Não se sabe o que conversou em diálogos absolutamente reservados, desenvolvidos à margem da opinião pública."
Dentre as diversas mudanças (leia mais aqui), o relatório da Transparência Internacional diz que "nomeações para cargos importantes, incluindo no Ministério Público Federal, Polícia Federal, Receita Federal e Unidade de Inteligência Financeira, têm sofrido muita pressão política".
Em entrevista a EXAME, em agosto, Roberto Simon, líder do grupo anticorrupção do Americas Society/Council of the Americas questionou se as instituições são fortes para resistir às interferências.
“É da natureza do poder populista uma suspeita permanente em relação aos órgãos de Estado. A pergunta até que ponto as instituições são fortes para resistir. O risco no Brasil é que essas instituições, ao final, não tenham a força para manter sua independência, como se imaginava”, afirmou.
Por último, a Transparência Internacional também cita decisões recentes do STF, envolvendo a decisão de transferir para a Justiça Eleitoral julgamentos de suspeitas de corrupção durante eleições. A medida foi bastante criticada por ser vista como um afrouxamento aos envolvidos.
Além disso, ainda questiona a suspensão pelo presidente da corte, o ministro Dias Toffoli, que proibiu, a pedido dos advogados de Flávio Bolsonaro, que o Coaf compartilhe informações detalhadas sobre operações financeiras suspeitas com investigadores e promotores.
Não houve qualquer manifestação pública ou projeto legislativo oriundo do governo para que as decisões fossem revertidas.
De acordo com o relatório, "esses desdobramentos sugerem que a confiança dos cidadãos na capacidade de o governo impedir e pôr um fim na corrupção pode retroceder em breve".