Edifício WIlton Paes da Almeida pega fogo: prédio era um dos 293 bens tombados em âmbito municipal dentro da área do Vale do Anhangabaú desde 1992 (Paulo Whitaker/Reuters)
Valéria Bretas
Publicado em 4 de maio de 2018 às 06h25.
Última atualização em 4 de maio de 2018 às 06h25.
São Paulo – O prédio de 24 andares que desabou na última terça-feira (1º) na região central da cidade de São Paulo reacendeu o debate sobre a responsabilidade do poder público com a segurança de imóveis ocupados de forma irregular.
Afinal, apesar de ser patrimônio da União, o edifício Wilton Paes de Almeida — tombado em 1992 por ser considerado um bem de interesse histórico — foi deixado de lado nos últimos anos.
Em janeiro do ano passado, um laudo emitido pela própria prefeitura atestou que o local não “reunia condições mínimas de segurança contra incêndio”, o que serviu de base para que o Ministério Público Federal recomendasse uma reforma de emergência. Apesar disso, nada foi feito.
O incêndio desta terça afugentou mais de 120 famílias que ocupavam o local. A suspeita é que a explosão teria começado por um curto-circuito em um dos barracos do 5º andar. De acordo com as investigações, havia um micro-ondas, uma geladeira e uma televisão conectados a uma só tomada. Uma pessoa morreu e há quatro desaparecidos.
Casos como esse refletem a realidade de outras 46 mil famílias que vivem em condição irregular em São Paulo. De acordo com o prefeito Bruno Covas, são mais de 70 prédios ocupados em situação de risco similar ao edifício Wilton Paes.
Para Raquel Rolnik, urbanista e ex-relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o Direito à Moradia Adequada, essas pessoas são vítimas da falta de controle dos órgãos públicos.
“Não se pode excluir aqui a responsabilidade de agentes públicos com a manutenção de uma situação que prenunciava uma tragédia”, diz. Para ela, no entanto, isso não quer dizer que a solução seja remover as pessoas de forma unilateral.
Em entrevista a EXAME, Raquel comenta sobre a responsabilidade do Estado e as dificuldades que potencializam o alto déficit habitacional na cidade, hoje estimado em 358 mil moradias. Confira a seguir os principais trechos da conversa:
EXAME: Quem deve assumir a responsabilidade pela tragédia desta terça-feira (1)?
Raquel Rolnik: Certamente que não devem ser aqueles que estavam ocupando o local, principalmente por ser a única forma de morar que eles encontraram; de morar no centro de São Paulo, onde estão as oportunidades de geração de renda. Eles são as vítimas dos governos municipal, estadual e federal, que ignoram sistematicamente as condições de precariedade nas quais vivem muitas famílias e que levaram, mais de uma vez, a tragédias como a do dia 1º de maio. No caso deste edifício já havia uma decisão judicial para que o poder público o equipasse com itens de segurança necessários ao seu funcionamento, o que não foi feito.
Qual o motivo do elevado déficit habitacional em São Paulo?
São Paulo, por sua dimensão e importância econômica, potencializa não só no estado a problemática habitacional e a demanda por moradia. No caso do incêndio do edifício, por exemplo, vários moradores eram estrangeiros e imigrantes que provavelmente chegaram aqui em busca de oportunidades que não encontraram nos seus países. Isso aliado ao fato de que a habitação dos mais pobres não tem sido tratada como política pública de fato.
Ou seja, na maioria das vezes, o financiamento habitacional subsidiado, que deveria ser dirigido aos mais pobres, tem financiado a habitação das classes médias e dos mais ricos. Por outro lado, e no caso específico do centro de São Paulo, imóveis públicos e privados têm sido mantidos vazios, como reserva de valor fundiário e imobiliário, enquanto que muitos não tendo onde morar ocupam onde podem e da forma que podem.
Por que programas como o Minha Casa, Minha Vida não resolvem os problemas de habitação? Qual é a saída?
Principalmente pela sua falta de diversidade. Mais uma vez, é uma política focada em soluções uniformes sem considerar a diversidade da demanda. A saída é entender e incorporar as diversas formas das precariedades habitacionais que envolvem não só arranjos familiares, mas formas de acesso à habitação distintos em vez de focar em um modelo único de compra de moradia via crédito bancário.
Como situações como a desta terça podem ser evitadas?
Colocando-as na agenda governamental e encaminhado soluções discutidas publicamente com a participação dos atingidos. Não se pode excluir aqui a responsabilidade de agentes públicos com a manutenção de uma situação que prenunciava uma tragédia. Isso não quer dizer, porém, que para evitá-las a solução é remover as pessoas de forma unilateral.
As remoções que têm sido usada pelos governos como formas de resolver o problema só têm criado bombas-relógio. Ao deslocalizar uma situação habitacional precária sem encaminhar soluções, outras situações de mesma ou de maior precariedade se formam contribuindo para manutenção de um ciclo vicioso.