Bicicleta pintada no asfalto da Avenida Paulista: David teve o braço direito decepado enquanto andava de bicicleta, rumo ao trabalho, na ciclofaixa da via (FERNANDO MORAES)
Da Redação
Publicado em 10 de março de 2014 às 10h22.
São Paulo - "Uma tragédia ou uma história de superação?" Essa é a pergunta estampada no cartão pessoal de David Santos Sousa, de 22 anos. No domingo, 9, ele completou um ano sem o braço direito, decepado enquanto andava de bicicleta, rumo ao trabalho, na ciclofaixa da Avenida Paulista, por um carro que tinha ao volante um homem embriagado. O condutor arremessou o membro em um rio.
Sem emprego desde então, Sousa busca um novo sentido à vida. Entrou num curso de Administração do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), no qual se forma no fim deste semestre, mas sem grande entusiasmo. "Gosto mesmo é do que eu fazia antes, o rapel", afirma com tom nostálgico na voz.
Na manhã do atropelamento, ele seguia de bike para mais um dia de serviço, como limpador de janelas de arranha-céus. Fazia quase dois anos que se pendurava por cordas a dezenas de metros de altura, atividade que se tornou mais do que uma obrigação: um gosto. "Agora, já não posso voltar a esse tipo de atividade profissional."
Registrado, Sousa tinha um salário de R$ 1,5 mil, quase o dobro do que passou a receber com o auxílio mensal do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O rendimento atual é completado por um pequeno acréscimo do sindicato das empresas de limpeza de São Paulo, que também lhe fornece duas cestas básicas por mês.
Alma de ciclista
Morador de Cidade Júlia, bairro da periferia paulistana no limite com Diadema, Sousa não desistiu de pedalar, mesmo com o trauma de um ano atrás. Longe disso. Todos os dias, vence com a bicicleta os 21 km que separam sua pequena casa, onde mora com um amigo, da Escola Roberto Simonsen, do Senai, no Brás, centro. "Vou em 40 minutos."
Quem o vê pedalando por aí não deixa de se impressionar com sua habilidade. Anteontem, o Estado o acompanhou - de carro - por cerca de uma hora nas ruas da zona sul. Subindo ladeiras, o jovem chegava a atingir 20 km por hora. Nas descidas, a velocidade subia a 55 km.
"Para andar de bike, o braço que perdi não faz falta, aprendi a me virar com o esquerdo mesmo e até virei canhoto." A prótese que ganhou de um empresário de Sorocaba só é usada quando ele não anda de bicicleta.
Depois do atropelamento e da internação no Hospital das Clínicas, além de se matricular no ensino técnico, o rapaz começou a aprender a lutar muay thai. Improvisou um saco de pancadas na garagem de casa. Veste a faixa de proteção na mão e coloca a luva sem a ajuda de ninguém.
O passo mais decisivo no sentido de dar um rumo à sua nova vida, porém, é a aposta em uma carreira de palestrante. É por isso que imprimiu seus cartões. "No ano passado, fiz algumas palestras em empresas e escolas. Quero intensificar isso neste ano."
E por que decidiu trilhar o caminho motivacional? "Por problemas pequenos, muitas pessoas querem jogar tudo para o alto, parar de trabalhar, de estudar. Elas se esquecem de que têm uma vida grandiosa pela frente."