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Quem quer limitar o Uber no Brasil – e por quê

EXAME ouviu os maiores apoiadores do polêmico PL 28/2017, que pode ser votado nesta terça pelo Senado, e que trouxe até o presidente do Uber ao Brasil

Protestos: entidades se colocaram contra a proposta, como a OAB e a associação de consumidores Proteste (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Protestos: entidades se colocaram contra a proposta, como a OAB e a associação de consumidores Proteste (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

GK

Gian Kojikovski

Publicado em 30 de outubro de 2017 às 17h38.

Última atualização em 31 de outubro de 2017 às 15h27.

O presidente mundial do Uber, o iraniano Dara Khosrowshahi, chegou ao Brasil nesta segunda-feira em meio a um furacão. Nesta terça-feira o Senado deve votar o projeto de lei 28/2017, que regulamenta a atuação dos aplicativos de transporte.

Na visão das empresas do setor, a proposta pode inviabilizar a atuação de aplicativos de transporte no país por criar uma série de exigências que seriam incompatíveis com o transporte privado de passageiros.

O Uber não apresentou a agenda do executivo, apenas divulgou que ele se encontrará com executivos brasileiros e motoristas. Não há informações sobre reuniões com políticos e outros agentes públicos, mas parte da agenda será feita em Brasília.

Dara, que completa dois meses no cargo nesta terça, sabia de largada que sua missão era salvar o Uber, debilitado por uma série de escândalos de seu fundador, Travis Kalanick, e às voltas com possíveis restrições mundo afora.

Logo que assumiu, ele foi a Londres, cidade que retirou a licença de operação da empresa, para uma conversa com Mike Brown, o comissário responsável pela Transport for London (TfL).

A TfL classificou a conduta do como “inapta” e “inapropriada” pela dificuldade que colocava em cooperar com a fiscalização. Dara pediu desculpas formalmente pela falha.

Londres é um importante mercado para o Uber, assim como o Brasil. São Paulo é a maior operação da empresa no mundo e o Brasil é o segundo maior país, atrás dos Estados Unidos.

O Uber e seus concorrentes Cabify e 99 fazem juntos campanha contra o projeto de lei. Para as empresas, o principal problema do PL 28, que foi apresentado pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP), é que ele faz uma série de exigências, como o uso de placas vermelhas, iguais às de táxis, e a necessidade de uma autorização específica do poder público municipal para a prestação do serviço, que vão de encontro ao modelo de negócios dos apps.

A intenção de Zarattini é a de limitar o número de motoristas para evitar que a renda deles seja deteriorada. O deputado defende que somente seja motorista de aplicativos quem faz a maior parte de sua remuneração mensal por meio dessa fonte.

É exatamente o contrário que o Uber prega – que os motoristas dirijam por algumas horas por dia para complementar a renda.

“O Uber divulgou hoje que tem 500.000 motoristas cadastrados no país. É evidente que não existe mercado de trabalho para 500.000 motoristas. Assim, eles tiram trabalho não só dos taxistas, como deles mesmos”, disse Zarattini em entrevista a EXAME.

“Como eles têm uma renda pequena, não conseguem fazer manutenção e revisão do veículo, não conseguem fazer a troca do veículo. Então é necessário que haja uma regulamentação que limite o número de motoristas, que garante que a prefeitura possa fiscalizar, identificar o carro e acompanhar o desempenho”.

O Uber e seus concorrentes sempre defenderam que seus usuários fazem justamente isso ao avaliar os motoristas depois de cada corrida.

Diversas entidades se colocaram contra a proposta, como a Ordem dos Advogados do Brasil e a associação de consumidores Proteste.

As empresas afirmam ser favoráveis à regulamentação e à fiscalização, mas dizem que essa proposta seria, na prática, uma proibição.

“O que o Uber quer é ter o poder de fiscalização e isso não é justo. Se a checagem da empresa fosse eficiente, não haveria mais de 70.000 reclamações no Reclame Aqui. Não teriam tantos casos de assédio, embriaguez ao volante e outras coisas relatados”, diz Edmilson Sarlo, presidente da Abracomtaxi, a Associação Brasileira das Associações e Cooperativas de Motoristas de Táxi, uma das principais defensoras do Projeto de Lei.

Os aplicativos têm conseguido pequenas vitórias no Congresso. Na última semana de setembro, o relator da proposta na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado, Pedro Chaves (PSC-MS) apresentou um substitutivo que regulamenta a atuação das empresas de transporte por aplicativo, criando uma série de regras de fiscalização, mas que também é mais palatável às empresas, principalmente por não exigir placas vermelhas, permitir que o transporte seja feito por veículos alugados e criar uma legislação federal para o assunto, deixando para os municípios somente a fiscalização.

Caso isso não acontecesse, cidades que ainda não regulamentaram esse modelo de transporte poderiam simplesmente proibi-lo.

Isso não significa, no entanto, que será essa a proposta votada, uma vez que é possível que o projeto seja novamente modificado e volte a ser igual – ou muito parecido – ao texto inicial.

Algo semelhante aconteceu durante a votação na Câmara, quando o substitutivo do deputado Daniel Coelho (PSDB-PE) foi praticamente ignorado. O medo de Uber, Cabify e 99 é que isso se concretize.

Em caso de alterações, o projeto volta à Câmara. Ainda caberá ao presidente Michel Temer sancionar ou vetar o texto, ou parte dele.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) já deu declarações defendendo que, caso o Senado aprove o mesmo conteúdo que passou pela Câmara, ele recomendará que parte da proposta seja vetada.

Pode pesar o fato de que, em um momento em que o país acumula 13 milhões de desempregados, uma iniciativa que pode tirar a renda de centenas de milhares de pessoas não seja bem vista.

As zonas cinzentas

Em setembro, EXAME noticiou com exclusividade que a troca de executivos responsáveis pelas relações governamentais do Uber em Brasília impactou a tramitação de outra proposta, do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), que era considerado um projeto mais liberal e próximo do que as empresas entendem como a melhor regulamentação.

Outra grande reclamação é que o projeto será votado em regime de urgência, o que, na visão das empresas, limita o debate público acerca do tema.

Quanto a isso, Zarattini diz que o projeto foi apresentado ainda em 2015, foi aprovado na Câmara somente em abril deste ano e está desde então sendo discutido no Senado. Para ele, o pedido de urgência é só uma maneira de colocar o assunto como prioridade na pauta do plenário.

Para pressionar os senadores, as empresas estão enviando há algumas semanas e-mails para toda sua base de usuários – só o Uber diz ter mais de 17 milhões – pedindo que eles entrem em contato com os parlamentares de seus estados.

Elas também criaram uma campanha chamada Juntos pela Mobilidade e fizeram um abaixo assinado que levou 816.000 assinaturas ao Congresso.

O Uber também passou a fazer campanhas na TV em horário nobre sobre o assunto, incluindo nos intervalos do Jornal Nacional e do Fantástico.

A Abracomtaxi é presidida por Edmilson Sarlo, que também é presidente da Guarucoop, a cooperativa dos taxistas que prestam serviço no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, um dos locais mais afetados pela utilização de aplicativos de transporte.

Uma corrida do aeroporto para a Zona Oeste de São Paulo, que antes ficava em torno de 150 reais, agora sai por cerca de metade do valor.

Sarlo foi vereador durante quatro gestões em Guarulhos, mas acabou não se reelegendo nas eleições de 2016.

No início de outubro, o site Spotniks publicou com exclusividade uma reportagem mostrando que a primeira versão do projeto de lei apresentado por Zarattini foi feito no computador do advogado Fábio Godoy, que defende uma série de associações de taxistas e é consultor jurídico da Abracomtaxi.

A proximidade de Zarattini com o setor, e com Godoy em especial, começou quando Zarattini foi secretário de Transportes da gestão de Marta Suplicy na prefeitura de São Paulo.

“Qual o problema? É um projeto que ele me ajudou a fazer, eu ouvi ele. Qual o crime? Eu não ganhei nada para apresentar esse projeto”, afirma Zarattini.

A questão que importa, de verdade, é se os brasileiros ganham ou perdem com o PL 28/2017.

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