Marielle Franco: entenda as questões envolvidas no caso do assassinato da vereadora (Tomaz Silva/Agência Brasil)
Agência de notícias
Publicado em 27 de março de 2024 às 12h07.
Foram 2.202 dias de espera por respostas sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista da parlamentar, Anderson Gomes, mortos a tiros em 14 de março de 2018 em uma emboscada num bairro central do Rio. Em seis anos de investigação, diversos personagens entraram na trama, responsáveis por peças do quebra cabeça, como o desmanche do carro usado, obstrução para a elucidação do caso e infiltrado em partido político para obter informações.
Na Operação Murder Inc., deflagrada pela Polícia Federal no último domingo, novos nomes vieram a público, com personagens importantes. A partir da delação de Ronnie Lessa, preso e acusado de ser o responsável pelos disparos na execução, a investigação aponta como mandantes do crime o deputado estadual Chiquinho Brazão e o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Domingos Brazão.
O delegado e ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro Rivaldo Barbosa é tido como "garantidor da impunidade" na investigação do caso, segundo relatório da PF. Os três foram presos durante a operação.
O ex-PM Ronnie Lessa revelou, em sua delação, que a motivação para o crime foi por Marielle defender a ocupação de terrenos na Zona Oeste do Rio por pessoas de baixa renda e que o processo fosse acompanhado por órgãos especializados. Segundo Lessa, lotes de terreno seriam dados a ele pelos mandantes como forma de pagamento pelo crime.
A oferta consta em trecho do relatório da PF. Edmilson da Silva de Oliveira, o Macalé, teria procurado Lessa no segundo semestre de 2017 para falar sobre o crime e apresentado a proposta de pagamento.
"De antemão Macalé revelou a Lessa qual seria a contrapartida para a realização da execução: ambos “ganhariam” um loteamento a ser levantado nas imediações da Rua Comandante Luís Souto, Tanque, (na Zona Oeste do) Rio de Janeiro. Os pormenores que cercam essa promessa de recompensa serão trazidos à baila em conjunto com a motivação", diz trecho do documento.
Os irmãos Chiquinho Brazão e Domingos Brazão foram apontados em delação do ex-PM Ronnie Lessa como os mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco — que acabou por vitimar também o motorista Anderson Gomes. Chiquinho é deputado federal (União Brasil) e exerceu o cargo de secretário municipal de Ação Comunitária da prefeitura do Rio até fevereiro deste ano, quando pediu exoneração após surgirem os primeiros rumores sobre sua possível participação no crime.
Domingos Brazão iniciou sua carreira política como assessor na Câmara Municipal entre 1993 e 1994. Em 1997 assumiu o primeiro mandato eletivo, como vereador da cidade do Rio, mas ficou apenas dois anos no posto. Eleito deputado estadual, assumiu uma cadeira no Palácio Tiradentes em 1999 onde ficou por 17 anos. Alimentou a expectativa de ser presidente da Assembleia Legislativa (Alerj) até ser escolhido pela Casa para assumir vaga no TCE da qual ficou afastado por seis anos após a operação Quinto do Ouro, quando ele e mais quatro integrantes do tribunal foram presos acusados de corrupção.
As primeiras associações da família Brazão ao caso vieram à tona ainda em 2019, quando um relatório da Polícia Federal (PF) apontou Domingos Brazão como o “principal suspeito de ser autor intelectual” dos assassinatos da vereadora e do motorista. O conselheiro do TCE sempre negou a participação no crime. Ele já havia sido denunciado pela então procuradora-geral da República Raquel Dodge, em 2019, por atrapalhar a investigação, mas a Justiça do Rio rejeitou o pedido. Seu nome passou a ser revisitado também no ano passado com a delação do também ex-PM Élcio de Queiroz, preso em 2018, suspeito de envolvimento no crime.
O delegado Rivaldo Barbosa, um dos suspeitos presos na manhã deste domingo, foi chefe de Polícia Civil durante as investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, de março a dezembro de 2018. Na época, o Rio estava sob intervenção federal. Foi Rivaldo quem deu o aval para o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Domingos Brazão, apontado como mandante do crime, segundo a delação de Ronnie Lessa, assassino confesso de Marielle, que o crime ficaria impune.
Foi Rivaldo também quem levou ao titular da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), Giniton Lages, encarregado do caso e escolhido por ele, a informação de que três delegados da Polícia Federal teriam conseguido achar uma suposta testemunha do crime, mas se tratava de uma farsa, o que foi comprovado pela PF numa apuração paralela, conhecida como "investigação da investigação'".
Na primeira fase do caso Marielle, Rivaldo ligou para Giniton e mandou que ele interrogasse o então policial militar Rodrigo Ferreira, o Ferreirinha, apresentado como testemunha de uma conversa entre Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando da Curicica, e o vereador Marcello Siciliano, em que teriam planejado matar a vereadora. Mas a versão era falsa, como foi confirmado, dez meses depois, numa apuração paralela da Polícia federal, que ficou conhecida como "investigação da investigação".
Dias depois da morte de Marielle, Rivaldo se reuniu com parlamentares da bancada do PSOL para garantir que o crime seria esclarecido o mais rápido possível. Em entrevista, o delegado chegou a dizer: "Nós estamos no caminho certo. A complexidade está na forma de atuação dos assassinos. Mas, a gente está fazendo de tudo para esclarecer essa atividade criminosa".
Antes de ser chefe de Polícia Civil, Rivaldo foi subsecretário da Subsecretaria de Inteligência da Segurança, durante um período quando o secretário de Segurança era o delegado da Polícia Federal José Mariano Beltrame, na gestão do ex-governador Sérgio Cabral. Em seguida, Rivaldo ocupou os cargos de titular da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) e diretor da Divisão de Homicídios, responsável pelas três delegacias que elucidam assassinatos no estado. Atualmente, ele se encontra à frente da Coordenadoria de Comunicações e Operações Policiais, que cuida da operação com rádios da corporação, algo praticamente em desuso.
Ainda ao longo dos seis anos de investigação dos assassinatos, seis pessoas citadas no relatório final da Polícia Federal foram assassinadas. Foram eles:
Edmilson da Silva de Oliveira, o Macalé - O ex-policial militar foi morto em 6 de novembro de 2021. Ele andava pela Avenida Santa Cruz, em Bangu, na Zona Oeste do Rio, em direção à sua BMW, quando foi abordado por homens em um veículo branco. O ex-PM foi atingido por vários disparos e morreu no local. Com ele foi encontrada uma pistola. Macalé é apontado pelas investigações como um elo entre os mandantes e os executores de Marielle.
Luiz Carlos Felipe Martins - Sargento da PM, era considerado o braço direito de Adriano da Nóbrega. Ele, que era chamado de Orelha, foi morto a tiros em 20 de março de 2021. Homens que estavam num carro dispararam contra Luiz, que estava de folga, em uma rua de Realengo, na Zona Oeste carioca. O crime ocorreu justamente na véspera em que o Ministério Público do Rio (MPRJ) e a Polícia Civil fariam uma operação para prendê-lo.
Hélio de Paulo Ferreira, o Senhor das Armas - Chegou a ser investigado no inquérito e foi assassinado em 28 de fevereiro de 2023, na Rua Araticum, área disputada por milicianos e traficantes que ficou conhecida como a rua da morte, no Anil, também na Zona Oeste. No dia em que foi morto, Hélio numa padaria quando foi executado. Além dele, outros três homens morreram.
Lucas do Prado Nascimento da Silva, o Todynho - Sofreu uma emboscada na Avenida Brasil, na altura de Bangu, possivelmente como uma queima de arquivo. Todynho era suspeito de ter participado da clonagem do Cobalt prata usado na execução de Marielle e Anderson. Ele teria atuado na confecção dos documentos falsos do veículo.
André Luiz Fernandes Maia - Advogado, ele foi citado na delação de Ronnie Lessa como a pessoa com quem "bebia uísque" enquanto pesquisava lugares para executar Marielle. O ex-PM afirmou aos investigadores que, naquela ocasião, estava "obcecado em encontrar uma alternativa viável" para a execução e, por isso, passou a estudar o endereço da Rua do Bispo, no Rio Comprido, na região central, "com afinco", quando estava na companhia do criminalista. André Luiz foi executado um mês após a morte da vereadora. Ele foi abordado por dois homens numa moto quando saía de casa, no Anil, e levou pelo menos 10 tiros. Um suspeito do crime, apontado como integrante da milícia do Anil, foi preso em Miguel Pereira, no Centro-Sul Fluminense, em agosto de 2021.